Um homem marcado

Por mais que faça, Cristóvão Borges não consegue afastar desconfianças no Corinthians

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Por Antero Greco
Atualização:

Rejeição é sentimento que corrói. Quando gruda em alguém, raramente sai. Se sai, deixa sequelas. No futebol, queima filme de jogadores, dirigentes, treinadores. A ela associam-se outros termos negativos, como prevenção e preconceito. Quando torcedor – ou a crítica – cisma com um personagem, cedo ou tarde o desfecho segue o roteiro manjado da ruptura.

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Cristóvão Borges está marcado no Corinthians. Por mais que faça, vê seu trabalho escarafunchado e analisado sob a lente da desconfiança. Ele teve triplo azar ao aceitar o desafio de dirigir a equipe com a temporada já a toda velocidade.

Em primeiro lugar, chegou para substituir Tite, figura gigante na história recente do clube e recém-promovido para a seleção. Os títulos dos últimos anos – Libertadores e Mundial, sobretudo – o elevaram à categoria de ídolo. Em qualquer atividade, tarefa desgastante é pegar a vaga de um fora de série.

Além disso, herdou um elenco empobrecido em relação àquele do ano passado e com baixas em meio à disputa do Brasileiro. Tite já enfrentava dificuldades, com resultados que oscilavam, como provaram as eliminações no Paulista e no torneio sul-americano. Mas ao ex-técnico da casa tudo era relevado, em nome das alegrias anteriores.

Para completar o quadro adverso, Cristóvão não tem costas largas, seu nome não faz elencos estremecerem, não provoca reverência do público. Embora rodado no meio, no qual surgiu décadas atrás como boleiro de qualidade, o currículo de treinador não ostenta taças e troféus aos montes.

Muito fácil torcer o nariz para Cristóvão. As restrições aos métodos e às decisões que toma saem sem pudor da boca de qualquer um. Mesmo que os erros não se revelem diferentes daqueles de colegas badalados, a resistência é bem superior. Ainda faz parte do grupo dos que contam com paciência mínima. Não por acaso desde que botou os pés no Parque São Jorge, não passa semana sem a iminência de perder o emprego. Toda hora é “demitido”, sob a alegação de que instituição como o Corinthians precisa de nome de peso. 

Agora, por exemplo, vêm à tona mexericos de que a cabeça ficou mais a prêmio após a demissão de Roger Machado. Taí contradição e nova evidência de má vontade. O treinador que largou o Grêmio anteontem tem potencial e crescerá na nova profissão. Porém, tem menos tempo de estrada na função e lhe faltam conquistas. Mas soa como modernoso e diferente. 

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Cristóvão não é brilhante. Peca ao não conseguir regularidade no desempenho do time. Repetitivas as vezes em que o Corinthians larga bem, pressiona, até abre vantagem, para em seguida murchar. Nem sempre as substituições repõem o vigor necessário. Às vezes, há até letargia da parte dele para mexer. No empate com o Coritiba, na quarta-feira, fez só uma mudança, e provocada por contusão. Não tocou na estrutura tática e abraçou o empate.

O erro talvez esteja no momento em que assumiu o Corinthians – e aí a falha maior fica para a diretoria. O impacto com a debandada de Tite e colaboradores de Comissão Técnica foi intenso. Para contrabalançar, só alguém de nível semelhante. Ah, o mercado estava pouco favorável, sem opções. Meia-verdade. Quando quer, uma empresa tira da concorrência profissionais qualificados. Cristóvão pagará esse pato.

O destino coloca o Palmeiras no caminho dele. Para o bem ou para o mal – depende do resultado do dérbi deste sábado no estádio de Itaquera. Vitória encurta distância do líder e aumenta a vida útil de Cristóvão. Derrota, ainda mais em casa, tornará o ar irrespirável e significará (quase) adeus à briga por título. Empate? "A ver", como diria Bauza.

O Corinthians continua a surpreender, no bom sentido, por manter-se na parte de cima da tabela, apesar de fora do G-4. Tinha limitações que andavam escamoteadas com Tite; porém, sobressaíram com o sucessor. Cuca e seus rapazes (líderes e um tanto intranquilos) podem selar o destino de um homem marcado.

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