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Várzea e society pagam R$ 30 para alugar goleiros na internet

Site oferece arqueiros de aluguel para os jogos amadores

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Foto do author Gonçalo Junior
Por Gonçalo Junior
Atualização:

Não é à toa que o site Goleiro de Aluguel ganhou o apelido de Uber dos goleiros. Mais ou menos como o aplicativo que aproxima condutores e usuários de veículos, o site faz sucesso com a oferta e procura de goleiros no futebol amador. As equipes divulgam os dados do jogo no site da empresa, que procura os interessados pelo Whatsapp. O primeiro a responder é convocado. O goleiro alugado recebe R$ 30, independentemente dos eventuais frangos, fica com R$ 18 e repassa R$ 12 para a empresa.

Marcos Silva encontrou no site uma maneira de aumentar sua renda mensal. Além de fazer bicos na área de segurança e revender materiais esportivos na internet, o goleiro de 31 anos joga de segunda a domingo no Goleiro de Aluguel e nos clubes de São Caetano e Ipiranga. Ele é remunerado em todos os jogos, sempre na média de R$ 30 a 45 por partida, e ainda conta com uma espécie de caixinha quando joga bem. “Quando a gente joga bem, defende pênalti, por exemplo, sempre tem um agrado a mais”, diz.

O contador Wenderson Ferreira com o aplicativo Goleiro de Alugue Foto: JF Diorio

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A reportagem do Estado o encontrou na sexta-feira no Parque São Jorge. Com o uniforme do site – a cor roxa foi escolhida para impedir a associação com qualquer clube –, Marcos usa os ganhos para investir em suas próprias ferramentas de trabalho – ele reclama que uma luva boa custa cerca de R$ 500 e um par de chuteiras, R$ 200. Com o que sobra, ele ajuda o orçamento doméstico – ele mora em São Mateus, com a mãe e o irmão. Tudo atrás de um sonho. “Acredito no milagre de ser profissional. Eu pago as minhas contas e vou atrás do meu sonho”.

A questão financeira ficou em segundo plano para o paranaense André Negrello. Ele colocou na cabeça que ia bater o recorde de jogos por mês para provar que estava recuperado de um corte grave no braço direito. Chegar aos 42 jogos no mês de maio – rendimento de R$ 742,00 – foi uma espécie de troféu particular. Assim como os prêmios que ganhou: luva profissional, uniforme com seu nome e uma garrafa térmica. “Fiquei três anos parado e encontrei uma motivação para voltar a jogar”, diz o supervisor de vendas de uma autopeças.

O baiano Eliseu Mendes Silva, recém-formado como técnico de Edificações, está na outra ponta da estatística. Ele reclama que a oferta de jogos no interior da Bahia ainda é pequena. Até agora, o morador de Lauro de Freitas, na região metropolitana de Salvador, só fez dois jogos. “Eu era perna de pau e só podia jogar no gol mesmo. Jogo com os amigos, mas queria ter mais partidas do Goleiro de Aluguel por aqui”.

Marcos Silva atua no Parque São Jorge Foto: Alex Silva

O primeiro jogo intermediado pelo site é sempre uma surpresa para contratantes e contratados. Teoricamente ninguém se conhece, eles não se falam diretamente até o jogo. Foi legal ver o primeiro contato, na hora em que Marcos chegou para jogar e se apresentou. “Prazer, eu sou o goleiro de aluguel de vocês”, disse com a voz firme.

Alugar um goleiro não é totalmente um salto do escuro. Existe um ranking que avalia pontualidade, personalidade e técnica. “Personalidade” significa que o goleiro não pode xingar os companheiros nem arrumar confusão. O engenheiro civil Donael Ildo de Castro, um dos organizadores do jogo no Parque São Jorge, que reúne praticamente o mesmo grupo de amigos há oito anos, afirma que a técnica fica em segundo plano. “Nem é tão importante a qualidade do goleiro, aquele que pega tudo. O mais importante é que esteja presente”, diz.

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Essa preocupação de Donael está raiz do crescimento do negócio. A partir de pesquisas na Federação Paranaense e também de dados CBF, os empreendedores Samuel Toado e Eugen Braun estimam que 70% dos jogos amadores não têm goleiros fixos. Por mês, o Brasil promove um milhão de jogos em quadras de aluguel.

Obviamente nem tudo vai às mil maravilhas. No mês de abril, a empresa foi bloqueada pelo Whatsapp por causa da quantidade de mensagens que enviava. É pelo aplicativo que a empresa busca os goleiros em cada região. Eugen Braun ainda guarda a mensagem de bloqueio como recordação.

Outro desafio é modernizar as operações financeiras. O pagamento do goleiro à empresa é feito na base da confiança. O próprio arqueiro é o responsável pelo repasse, por meio de depósito bancário, dos R$ 12 da empresa. Em quatro mil jogos realizados até agora, o calote gira em torno de 7%. Para contornar problemas como esse, será lançado em julho um aplicativo da própria empresa.

Com 15 partidas nos últimos meses, o contador Wenderson Ferreira exercita sua vocação. “Alguns nascem para ser professores. Eu nasci para ser goleiro”, diz. Formado em Contabilidade fazendo pós-graduação, ele pretende aumentar a frequência nos campos nas férias de julho. “A gente não persegue a fama, o nosso reconhecimento é ser escolhido e chamado para a próxima partida. Eu jogo no gol, o que eu amo, e ainda recebo por isso. Tem coisa melhor?”

Marcos Silva complementa a renda com os jogos do site Foto: Alex Silva

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PIADA. Os empresários Eugen Braun e Samuel Toaldo, administradores da empresa Goleiro de Aluguel, usaram a experiência como arqueiros de peladas para criar um negócio promissor. Tudo começou em janeiro de 2015, quando Samuel brincou com os amigos que cobraria para ser goleiro nos jogos de que participavam. Foi motivo de piada. Levou a brincadeira a sério e criou uma página no Facebook oferecendo seus serviços. Só no primeiro mês participou de 13 jogos.

Apareceram tantos convites que Toaldo chamou Eugen para ajudá-lo. Os dois viraram sócios. A fan page virou um site e criaram também um canal no You Tube. Há três meses, os dois atraíram um investidor, uma empresa de Curitiba (PR), e largaram seus empregos só para tocar o site. Os primeiros 100 jogos agendados pelo site foram comemorados com pastel e cerveja em agosto de 2015. Em um ano, já foram realizados mais de 4000 jogos. Hoje existe uma equipe, com estagiário e um desenvolvedor. Além do dinheiro arrecadado com os jogos, a empresa possui os rendimentos dos patrocínios nos uniformes dos goleiros e o e-commerce do negócio.

Os próximos passos são a criação de um aplicativo em julho para agilizar os contatos entre goleiros e equipes e a expansão para a América Latina – os argentinos já mostraram interesse. Os empreendedores também pretendem dirigir o foco das próximas campanhas de comunicação para o futebol feminino. Hoje, não existem goleiras no site.

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Além de goleiros, Eugen é formado em Produção Industrial e Samuel é físico. Ainda hoje, jogam como goleiros amadores. “A experiência pessoal como goleiro foi fundamental”, diz Samuel Toaldo.

Os empreendedores Samuel Toaldo e Eugen Braun; ao centro o goleiro Marcos Silva Foto: Alex Silva

Valdir Joaquim de Moraes, um dos maiores goleiros da história do Palmeiras, afirma que a falta de goleiros no futebol amador é uma característica do futebol brasileiro. “Desde pequeno, todos são estimulados a fazer o gol, ser o herói, ninguém quer defender”, diz o veterano. “Muita gente disse para eu desistir”, completa.

 Além de financiar o crescimento da empresa, os R$ 12 de cada jogo são usados em projetos sociais. O negócio faz doações regulares para uma Escola de Goleiros do Mali, no continente africano, alugando o espaço da escola e comprando materiais esportivos. Também patrocinou a seleção brasileira feminina de cegos no mundial do ano passado. A questão social foi citada por todos os goleiros com um dos fatores de incentivo para acessarem o site.

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