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Zé Roberto passa longe da badalação

Por Agencia Estado
Atualização:

A badalação que atinge a maioria do jogadores da Seleção Brasileira passa longe de Zé Roberto. Carregador de piano assumido do grupo de Carlos Alberto Parreira o jogador do Bayern de Munique dá de ombros para ´a falta de carinho´ da torcida - ele não tem seu nome gritado pelos fãs - e pensa somente em realizar seus sonhos. O último deles foi a publicação de um livro autobiográfico que conta a história de um menino pobre de São Miguel Paulista que só pensava quando criança em se tornar jogador de futebol. A idéia foi tocar o coração dos jovens do Brasil que precisam de sonhos para enfrentar as mazelas da vida. O livro tem o nome "Um sonho para a vida, com Deus do lado". O curioso dessa história é que Zé Roberto ainda não encontrou uma editora para publicar seu livro no Brasil, mas o projeto já está na sua terceira edição na Alemanha, onde ele joga há sete anos, e mais recentemente foi traduzido na Croácia, um país que tem um pouco as caras do Brasil. Em entrevista ainda na Granja Comary, em Teresópolis, onde a Seleção passou a semana se prepararando para o jogo com o Chile, Zé Roberto repassa sua história e a proximidade de realizar mais um sonho, o de disputar sua segunda Copa do Mundo. Agência Estado - O que traz seu livro e por que resolveu fazê-lo? Zé Roberto - Conta a minha trajetória de vida, a minha infância de menino pobre, as dificuldades que enfrentávamos desde criança quando meus pais se separaram e minha mãe teve de cuidar sozinha de cinco filhos. Eu tinha uns 12 anos nessa época. Falo dos tempos em que nós batíamos de porta em porta pedindo ajuda para tentar sobreviver. Conto também da minha fé, mesmo com tantas amarguras e dificuldades. Minha mãe nunca desistiu de tentar nos ajudar. E falo ainda da mudança de vida quando me tornei jogador de futebol. Tinha um sonho de me tornar jogador e consegui realizá-lo. Fiz o livro para tentar falar com os jovens do Brasil. Era um cara de São Miguel Paulista que venceu na vida. No Brasil há muitos garotos pobres que podem chegar lá também, assim como eu. AE - Mas o curioso é que você não publicou o livro no Brasil. É verdade. Ainda não encontrei uma editora aqui, mas espero que até o final do ano alguém se interesse. Na Alemanha, o livro já está na sua terceira edição. Tive a ajuda de um escritor e deu certo. E agora, mais recentemente, o livro foi traduzido na Croácia. Eles se interessaram pela minha história, a história de um menino muito pobre de São Miguel Paulista, que só pensava em ser jogador de futebol. Eu sabia que era a salvação da minha vida e da minha família. AE - O torcedor pouco fala do Zé Roberto da Seleção, mas você está bem perto de garantir passagem para a sua segunda Copa. Essa falta de badalação te incomoda? De forma alguma. Sou um carregador de piano assumido. Estou na minha quarta temporada num dos clubes mais importantes do mundo, que é o Bayern de Munique, e tenho meu espaço na Seleção juntamente com os outros jogadores. Posso afirmar que sou um cara abençoado por Deus, por ter conseguindo tantas coisas. Não ligo para a falta de badalação com meu nome. É cultura do povo brasileiro aplaudir somente os jogadores do meio de campo para frente, aqueles que fazem gols e realizam jogadas bonitas. Encaro isso numa boa. O importante para mim é fazer parte da Seleção, lugar que frequento há 10 anos, e estar agora bem perto de disputar mais uma Copa do Mundo, a segunda na minha carreira (esteve em 1998 no Mundial da França). Contra o Chile, farei 13 jogos pelas Eliminatórias. AE - Numa Seleção tão badalada, quem é o cara aqui para você? O jogador que enche seus olhos... Quem chama minha atenção nesse grupo é o Ronaldinho Gaúcho. Todos aqui são excelentes, mas o Gaúcho é demais. Você encontra poucos atletas no mundo com a alegria dele em campo. É claro que hoje é tudo mais profissional, mas o Ronaldinho parece estar sempre disputando uma pelada. Ele tem alegria em todos os seus movimentos. Eu venho da várzea e sei que é isso que o povo quer ver em campo. Ele é demais. AE - Dizem que o Zagallo, o coordenador técnico do Parreira, é quem morre de amores por você. Isso já chegou a seu conhecimento? O professor Zagallo nunca me disse isso. Mas eu sempre o considerei um técnico também. O que posso dizer? É bom saber que o Zagalo gosta do meu trabalho. Isso é gratificante. O que quero dizer é que nunca me considerei o dono da posição. E recebo cada convocação como se fosse a minha primeira. AE - Se o Brasil assegurar a vaga neste domingo para Copa do Mundo, você pretende se concentrar mais no Campeonato Alemão e talvez pedir dispensa dos outros jogos? Eu quero sempre estar com a Seleção, onde ela estiver. Eu não abro mão da minha vaga nas partidas seguintes pelas Eliminatórias, contra a Bolívia e diante da Venezuela. Quero jogar, mesmo sabendo que essas duas partidas seriam mais para festejar a conquista da classificação. Estou no grupo desde o começo e vou até o fim das Eliminatórias. Quero estar na altitude de La Paz. A Seleção não deve se reunir muito mais depois das Eliminatórias. Acho que só há uma ou duas datas Fifa em 2006. AE - E como será estar na Alemanha em 2006, país que você conhece bem? Conheço mesmo. Já são sete temporadas no futebol alemão, quatro pelo Bayer Leverkusen e três defendendo o Bayern de Munique. Posso me considerar um alemãozinho. A Alemanha é o meu segundo país. Por isso também que essa Copa será importante para mim. Meu filho mais velho, o Endrik, de cinco anos, nasceu em Leverkusen. A Muriã, de 2 anos, nasceu no Brasil, mas sempre viveu em Munique. E agora minha mulher, com quem sou casado há dez anos, está grávida de três meses. AE - Você já enfrentou problemas de racismo na Alemanha? Nunca. Em sete anos, nunca sofri qualquer preconceito por ser negro. Em Leverkusen, sempre fui bem acolhido. E a mesma coisa aconteceu em Munique. AE - E como é sua vida no dia a dia de Munique? Sou um cara caseiro, que vou duas ou três vezes ao culto numa igreja que tem muitos brasileiros. Minha mulher, a Luciana, a mesma com quem casei ainda nos tempos de Portuguesa, também tem suas amigas com quem passa boa parte do tempo. Ela fala bem o alemão. Trabalho geralmente um período apenas e vou muito aos parques com meus filhos. Vamos há restaurantes e aos shoppings com alguma freqüência. Somos felizes. AE - É bom morar em Munique? É uma cultura diferente da nossa. Posso andar nas ruas normalmente, dou autógrafos, mas nada que me incomode ou que me faça correr para dentro do carro. Eles respeitam a privacidade das pessoas. O Bayern é um clube muito badalado. AE - E como é o seu relacionamento com o Kaiser Franz Bechenbauer? O Franz está um pouco afastado do Bayern, clube do qual ele é presidente, para tocar os preparativos da Copa do Mundo. Ele é presidente do Comitê Organizador da Copa. Além de ser o presidente do Bayern, ele é uma pessoa muito influente em relação às contratações de jogadores brasileiros. Ele adorava o atacante Elber, e teve muita influência na minha contratação. O Franz é fã do futebol brasileiro. AE - E a sua família em São Miguel Paulista? Você tem muito contato com ela? Não como eu gostaria porque o trabalho e as viagens não me permitem isso. Mas todos os meus irmãos já estiveram comigo na Alemanha. Estão todos trabalhando e bem encaminhados. E eles não moram mais em São Miguel. Estão agora no Ipiranga. AE - E o seu pai, que foi embora quando você era criança? Nunca mais o viu? Ele apareceu uma vez pedindo ajuda, quando ainda estava no Leverkusen. Precisava de uma casa para morar. Eu o ajudei e foi só isso. Nunca mais nos vimos depois desse encontro. Perdemos realmente o contato quando ele saiu de casa, lá atrás.

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