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1.º de janeiro

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Por Nando Reis
Atualização:

Parodiando Paulo Mendes Campos, um de meus ídolos, escrevo essa crônica e faço dela minha pequena homenagem. Coisas boas dessa vida: filhos - desde o nascimento, passando por todos os pequenos e maiores aborrecimentos, não há dissabor que não seja passageiro porque o resto é eterno apreciar, admirar e aprender; férias merecidas, passadas à beira-mar, sob o sol escaldante que esquenta a pele refrescada após um mergulho rejuvenescedor; férias mesmo imerecidas, seja lá onde for, bastando apenas não ter de trabalhar; sono abundante e farto, sem hora para despertar; lençóis brancos e macios; filme excelente e desconhecido destoando na escassez de qualidade da programação da TV; documentário sobre a migração dos gnus; ver de perto o próprio gnu; suco de cajá; peixe fresco assado na brasa; assistir a uma bela jornada do seu time numa tarde de domingo; uma dose de pinga antes de subir a rampa da arquibancada; ouvir os comentários no rádio elogiando a vitória incontestável; estar apaixonado; escorregar num tobogã de areia numa duna em Fortaleza e cair na água doce do rio; nadar no rio; passar o dia na praia e depois tomar um banho de chuveiro no quarto do hotel; toalha seca; voltar de viagem e chegar em casa; ouvir inesperadamente no rádio uma música que você amava na adolescência; lembrar de uma menina linda da sua classe; beijo de língua; dormir abraçado com a mulher; ouvir a risada de seus filhos brincando; levar um livro para a viagem que você comprou há meses e só agora teve tempo de ler e adorar; coca-cola gelada; cocada preta; sorvete de milho verde do Sérgio; empadinha de palmito da Madalena; caipirosca de maracujá do Perez; cerveja gelada em garrafa; um tié-sangue revoando pelo terraço; dormir na rede depois do almoço; proposta boa de trabalho com muita grana; proposta de um trabalho ruim com muita grana; cheiro de carro zero; tirar o sapato ao chegar em casa exausto; deitar no sofá; andar de motorino em Roma na garupa da namorada; reler As 7 bolas de cristal e O Templo do Sol; rir de qualquer blasfêmia do Capitão Haddock; ir ao cinema sozinho numa segunda-feira às 18 horas; ouvir sua filha de 9 anos tocar Suíte dos Pescadores na flauta doce; gravar um disco novo em janeiro no Rio; tocar violão; cantar com alguém e por esse alguém se apaixonar; coçar o pé; meia canelada de fio escócia da Burberry; calça jeans velha; água gelada no calor; ar-condicionado no verão; camiseta branca nova; Havaianas preta clássica; viajar; voltar de viagem; qualquer disco do Stevie Wonder dos anos 1970; espirrar; parar de espirrar; arroz com feijão; comida da Gê; encontrar dinheiro no bolso do paletó; sair bem na foto; fumar um Camel sem filtro depois do cafezinho depois do almoço; visitar o Parque Emílio Goeldi, em Belém; ver as manchas de uma onça pintada preta; céu estrelado em noite de lua nova; ver a lua cheia nascer no mar; sequilhos da casa de minha avó; pastel de feira; garapa; a cena do saleiro no refeitório da prisão de Tempos Modernos, do Chaplin; um bom western; reunir os cinco filhos no Natal; acertar o presente do amigo secreto; ganhar presente; fazer aniversário; comprar um vestido para a mulher amada; receber um elogio por algo que você achava que ninguém havia reparado; estar em forma; ficar bronzeado; andar de bicicleta; guiar de madrugada em São Paulo; ficar em São Paulo no feriado; torcer para o São Paulo; ser campeão; ser tricampeão; ser hexacampeão.

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