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A Copa do ódio

Por Ugo Giorgetti
Atualização:

Passei por muitas Copas. Em todas vi gente torcendo contra e a favor do Brasil. Os contra sempre foram menos numerosos e alguns até não faziam mais do que pose. Em nenhuma senti a presença do ódio. Agora sinto. Há no ar um ódio disseminado, difuso, que parece não poupar ninguém. A política atingiu a Copa como não se viu nem no tempo da ditadura. Por incrível que pareça, no Brasil democrático as facções, os grupos, os partidos, e, por decorrência os eleitores, se odeiam com muito mais virulência do que nos idos dos governos discricionários e ilegítimos. Quem está no poder, e seus partidários, quer permanecer e para isso, se pudesse, trucidaria todos os adversários. Quem almeja o poder, e seus partidários, não hesita em mentir, distorcer e mesmo incitar à desordem e à baderna com o fim de desgastar a situação. Como se trata de ódio no interior da elite esse ódio acaba por se estender a todos. São as elites que forjam os costumes, não é de estranhar, portanto, que o comportamento delas incida no comportamento das massas que incendeiam, fecham avenidas nas horas mais inconvenientes, ou gritam palavras de ordem sangrentas. Essa Copa foi engendrada como um evento político. Desde o momento em que se aventou a sua possibilidade ela não passou de um acontecimento destinado a fincar em todo o território nacional determinadas bandeiras. Os lugares foram cuidadosamente escolhidos, os estádios erguidos para espalhar pelo Brasil uma mensagem de interesse eleitoral. Entendendo isso os adversários passaram a combater essa ideia sem trégua e, desculpem, quase sem escrúpulos. Agora a violência, verbal ou não, está perfeitamente nas ruas. O que ainda facilitou a tarefa dos propagadores do ódio foi a indiferença do povo. Nem a televisão nos entupindo de comerciais e lembranças da Copa que vem aí consegue fazer com que o povo se identifique minimamente com ela. As pessoas sabem mal e mal onde jogam os atletas e em que times. Não há nenhuma identificação, nenhuma emoção, nenhuma , ouso dizer, torcida pelo seu astro preferido, já que todos os astros pertencem a outros torcedores, de outros continentes. Portanto, esta é uma Copa a frio. Seu resultado no campo pouco vai alterar as coisas.Resta seu resultado fora do campo e é aí onde se trava o combate. Há uma obsessão de um lado para que tudo dê certo, nenhum alemão seja sequestrado, nenhum francês que queira ir ao Rio de Janeiro desembarque em Manaus, nenhum inglês sem água no banheiro. O outro lado torce para que tudo dê exatamente ao contrário. É isso que se tornou a Copa do Mundo entre nós. Estamos longe daquele tempo em que se falava apenas de futebol quando se tratava de Copa. Estamos muito longe do tempo em que a cidade trabalhava normalmente e ordeiramente durante a Copa e que pipocavam radinhos de pilha e informações desencontradas sobre o marcador. Agora há muita coisa mais em jogo. O futebol foi invadido primeiro pelo mundo dos negócios e é agora sacudido pelo da política. Provavelmente , dentro de pouco tempo, nada mais vai restar dele, e Copas vão servir para se forjar palavras de ordem, às vezes vazias, às vezes cheias de significado, como "Yankees go home" ou "abaixo a ditadura" que nada tem a ver com futebol. "Não vai ter copa" é isso, apenas um sinal de que o ódio está nas ruas e atingiu a todos. Acabou mais uma festa popular brasileira. Os tempos mudam e devemos aceitar tranquilamente que mudem, mas não precisava uma mudança tão ruim. Não é de admirar que estejamos vivendo a época das agressões nos estádios e dos linchamentos. Um ódio confuso, mal compreendido, porque vem muitas vezes das camadas mais irracionais do ser humano, invade as principais cidades do Brasil. O mais assustador é que o ódio é um sentimento que não recua, não esmorece, é apenas sufocado, esperando um momento para explodir.

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