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A dor da 1ª morte

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Por MARCOS CAETANO
Atualização:

"Peço desculpas. Não é que eu queira parar. Mas eu não consigo mais...", disse Gustavo Kuerten, chorando copiosamente, para a emocionada plateia do Brasil Open, em 2008. O maior tenista brasileiro de todos os tempos e ex-número um do mundo se despediu do torneio da Costa do Sauipe com uma derrota para Carlos Berlocq. A derrota para o modesto argentino foi, na verdade, consequência de uma derrota maior. O verdadeiro algoz de Guga foram as dores crônicas no quadril, responsáveis pelo encerramento precoce de uma carreira brilhante. No dia seguinte ao anúncio do adeus de Guga, num jogo Milan x Livorno, Ronaldo tentou uma cabeçada, mas sequer saiu do chão. Uivou de dor, levou as mãos ao joelho e desabou no gramado. O choro do maior artilheiro da história das copas do mundo não deixava dúvida: ele havia sofrido mais uma grave contusão, numa carreira marcada por graves contusões. Muitos apostaram que aquele seria o último jogo do Fenômeno.Não foi. Em mais uma impressionante volta por cima, Ronaldo encontrou forças para dar um título paulista e uma Copa do Brasil ao Corinthians, valorizando a marca do clube e escrevendo seu nome para sempre na galeria dos ídolos do "bando de loucos", como a torcida do Timão gosta de ser chamada. Pena que alguns malfeitores que integram outro bando de loucos, esse sem aspas e sem sentido figurativo, tenham retribuído o que o craque fez com hostilidade imbecil. Deixando os idiotas de lado, fato é que Ronaldo voltou a jogar depois daquele Milan x Livorno. Entretanto, os dois dolorosos episódios, envolvendo os maiores ídolos esportivos brasileiros dos últimos tempos - mais a despedida oficial do Fenômeno no início desta semana - me forçaram a uma reflexão sobre a melancolia do final das carreiras e, especialmente, sobre o desolamento das carreiras que são abreviadas.Da mesma maneira que ficamos melancólicos quando acaba um filme bom, o final de semana ou gostosas férias, não gostamos de ver um grande craque dizer adeus. Não é difícil alguém me surpreender chorando na despedida de um ídolo do esporte, seja ele do atletismo, em sua última volta na pista; do boxe, após perder de um adversário muito mais jovem; no futebol, em partidas beneficentes, repletas de barrigudinhos; e até nos esportes norte-americanos, que adotam a belíssima prática de "aposentar" o número das camisas dos principais ídolos. É, por assim dizer, um choro de emoção, muito mais do que de tristeza. Já a dor de Guga e Ronaldo nos leva a um choro diferente, de tristeza e frustração. Parar no fim é difícil. Parar antes do fim, mesmo que apenas um pouco antes do fim, como foi o caso do Fenômeno, é devastador.Até onde teria chegado Guga, tricampeão de Roland Garros e grande vencedor do Master Series - quando venceu um a um todos os grandes tenistas de sua geração -, se sua carreira não fosse abreviada pelas dores no quadril e as sucessivas cirurgias para tentar eliminá-las? Será que Nadal teria sido páreo para o Manezinho da Ilha no saibro francês? E o todo-poderoso Federer? Seria tão todo-poderoso assim diante de um Guga imbatível no barro e cada vez mais consistente nas superfícies rápidas? É possível que sim, mas eu gostaria de ter visto. E o Fenômeno? Quantos outros gols ele teria marcado em Copas, caso tivesse jogado sempre com as melhores condições físicas? Teríamos perdido da França em 1998 e 2006 com ele voando em campo? Não terá sido ele a liderança que faltou na Copa de 2010? Perguntas assim me deixam louco. E triste, com vontade de chorar as mesmas lágrimas vertidas por nossos campeões ao anunciarem a "primeira morte", coincidentemente com as mesmas palavras: "Eu não consigo mais".Como cronista e testemunha da saga de Ronaldo nos gramados, resta-me um pequeno consolo para o enorme vazio de sua despedida: tive a felicidade de ver, nos estádios que são o solo sagrado das copas do mundo, cada um dos 15 gols que ele marcou para se tornar o maior artilheiro da história da competição. Por tudo isso, muito obrigado, Fenômeno.

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