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A emoção que só a técnica traz

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Por Daniel Piza
Atualização:

O título do Fluminense contradiz um monte de afirmações e acusações feitas nos últimos anos. Mesmo que obtido na última rodada com um gol chorado diante de um time rebaixado, fez jus ao trabalho sério que o clube se obrigou a desempenhar depois de voltar da Série B, a começar pela contratação de bons jogadores e do técnico Muricy Ramalho. Assim como o Flamengo em 2009, que tinha Adriano, Petkovic e outros talentos principalmente no segundo turno, o Fluminense ganhou porque tinha desde o primeiro turno Conca, Emerson, Fred, dois laterais que sabem apoiar, dois zagueiros seguros e, quando os desfalques vieram no segundo turno, as contribuições de Washington e Deco. Ou seja, não existe o "bom e barato" e não basta ser "regular"; é preciso ter quem desequilibre. Com 19 assistências e nove gols em 38 jogos, Conca desequilibrou.Quando o São Paulo ganhou três títulos seguidos, muitos disseram e escreveram que a fórmula dos pontos corridos consagrava um futebol mais de tática e vigor do que de talento e improviso, esquecendo que a verdadeira escola brasileira é a de união desses pseudo-opostos - e que por isso Pelé é o rei, porque era tão objetivo quanto criativo. A fórmula também foi acusada de limitar o espectro de clubes vencedores, o que para muitos faria do Brasileirão uma liga europeia, em que dois ou três se alternam no topo ano a ano. Isso é mentira para grande parte das ligas europeias (veja como estão Lazio e Napoli no momento, logo atrás do Milan e bem acima de Inter e Juventus). No Brasil, então, mais ainda: desde a primeira edição, em 2003, foram vencedores três clubes paulistas, dois cariocas e um mineiro. Todos receberam investimentos fortes em elenco e estrutura nas temporadas em que venceram.Misturada a isso, uma das acusações teve como alvo Muricy, que com seu bordão "aqui é trabalho, meu filho" combateu a cultura do chinelinho no futebol brasileiro, ciente de que era ainda mais inadequada aos pontos corridos. Palmeirenses o acusaram do "tilt" sofrido em 2009, quando teve três desfalques fundamentais (Cleiton Xavier, Pierre e Maurício). Ouvi até são-paulinos empoados se queixando dele, apesar do tricampeonato, pelo fracasso do clube nas Libertadores do período... Mas agora está mais que provado: se tiver bom elenco, um técnico com esse perfil - justo, exigente, sem pose nem invencionice - colabora e muito. A outra acusação aos pontos corridos, de que tiraria a emoção, de novo se mostrou injusta neste ano; teve emoção até o último minuto para meia-dúzia de clubes no mínimo. É ingênuo supor que um quadrangular final fosse eliminar o corpo mole (ou a mala branca) dos clubes sem chance.Isso tudo, porém, não significa que o nível técnico esteja bom. A realidade é essa, então temos obrigação de repetir: mais qualidade daria ainda mais emoção ao futebol brasileiro, porque nada emociona mais que alguns times "enchendo os olhos", mostrando talentos individuais e coletivos, como, digamos, o Cruzeiro de Alex em 2003. Veja os números, que não dizem tudo, mas merecem respeito: tivemos um campeonato com faltas demais, empates demais, gols de menos e público de menos. Os três melhores meias - Conca, Montillo e D"Alessandro - são argentinos. O artilheiro, Jonas, mal passou da média de 0,6. Revelações como Bruno César e Lucas apareciam às pencas no passado. Velhos craques, como Ronaldo e Fred, pouco jogaram. A seleção do torneio (Fábio; Mariano, Dedé, Alex Silva e Roberto Carlos; Jucilei, Elias, Montillo e Conca; Neymar e Jonas) tomaria goleada de muitos clubes europeus ou da seleção argentina.Por falar nisso, a Fifa indicou os três finalistas de melhor jogador do ano: Messi, Iniesta e Xavi. Como foi o craque da Copa, a meu ver, Iniesta deve levar, embora Messi tenha feito 52 gols e brilhado demais. Observe: são três baixinhos não franzinos, que controlam a bola "com malícia e atenção", no verso de João Cabral, e sabem enxergar o jogo. Raramente cometem falta, erram passe ou perdem duelo. O Brasil, que tantos meias e atacantes deu ao mundo, agora os procura desesperadamente.

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