A vida até parece uma festa

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Por Redação
Atualização:

Talvez soe repetido isso que vou falar, talvez seja a continuidade do que comecei na semana passada - sem perceber que antecipava o que viria a acontecer. Mas quem disse que alguém, além de mim, se lembra do que escrevi sete dias atrás? Ou se tudo o que é dito, no fundo, não é apenas continuação do que foi ouvido ou lido antes, peça preparatória do que virá mais cedo ou mais tarde? O fato é que ontem fui assistir ao filme A Vida até Parece uma Festa, de Branco Mello e Oscar Rodrigues Alves, documentário sobre a história dos Titãs. Emocionante. Brilhante na sua maneira de costurar as imagens, apresentar as músicas e, de uma forma incomum e fluente, contar o impossível: como um grupo de amigos de colégio monta uma banda e cria uma coleção surpreendente de sucessos, pérolas inacreditáveis de tão originais. Sem falsa modéstia, que puta banda é os Titãs! Claro que tem gente que não gosta e não concorda com o que acabo de dizer. Ainda bem: unanimidade não combina com arte. Não vou contar aqui mais sobre o filme, até mesmo por que a partir de 16 de janeiro ele estará em cartaz pra quem se interessar a ver. Mas uma coisa eu quero aproveitar como assunto desse artigo. Não existe nada mais poderoso do que certas combinações complementares. Os Titãs são um excelente exemplo. A princípio 9, depois 8, 7, 6, 5 e, ainda assim, a força da compreensão sobre o que é o outro, sobre quem são os outros, e o que juntos podem fazer pessoas que se dispõem a misturar sua disposição e criatividade. Trabalhar em grupo é se permitir a não ser você o centro as atenções o tempo todo. Deslocar o eixo do seu interesse e de sua atração para outro pensamento, outra forma de comunicação e, a partir dela, através dela, formular uma nova expressão própria, resultante da informação adquirida. Assim, numa espécie de corrente, de fluxo e sucessão de entendimento/desentendimento, aceitação e recusa, compreensão e incomunicabilidade, vai sendo criada uma linguagem comum, a voz que traduz o pensamento que não é particular, mas diz e fala sobre todos. Não é fácil, nem sempre é bom, mas, como tudo aquilo em que acredito que seja verdadeiro e humano, se torna poderoso quando é transformador. Durante os 20 anos em que fiz parte da banda, vivi todos os lados desse balaio. Fui núcleo e periferia, gozei de prestígio e fui marginalizado, contribui e boicotei, joguei limpo e sujo, admirei, invejei, ouvi, falei, gritei, barbarizei, gargalhei, ri e chorei intensamente. Não saberia dizer a quantidade de shows que fizemos, não importa, foram muitos, milhares. De todos os tipos: pra ninguém, para 100 mil no Maracanã, com performances inspiradas, outras completamente alcoolizadas, algumas mecânicas, mas a maioria com a alma entregue para ser sangrada e esfarrapada. De todas, saí diferente de como entrei. De algumas, não sei como saí vivo. Trabalhar com um bando de amigos é um privilégio. Poder desentender-se sabendo que há um vínculo amoroso que predominará e fará a reconciliação, é uma dádiva. Mas um grupo é sempre um mistério. Por mais que você tenha a intimidade da convivência, nunca desvenda o que habita uma mente e um coração que não seja o seu. Eis o segredo, a magia - e também a desgraça. Gosto assim. Sem risco a vida não vale a pena. Assistindo ao filme, pensei naquilo que é o aspecto que sempre fez a música se parecer com o futebol: certas escalações se tornam clássicas. É o caso dos Titãs.

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