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Adriano, a torto e à direita

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Por Ugo Giorgetti
Atualização:

Adriano abandonou a Itália, desapareceu por alguns dias, reaparecendo numa favela do Rio de Janeiro, onde declarou que se sentia infeliz em Milão e não pretendia voltar para lá. Salvo engano, em essência, isso é tudo o que se sabe sobre o que aconteceu com o conhecido jogador. É claro que, depois de ouvidas as opiniões mais óbvias, como a do empresário do jogador e alguns dirigentes italianos, começaram as interpretações do fato. Essas "interpretações" me chamaram a atenção. É evidente que a verdade ninguém sabe, pelo simples fato de que é impossível sabê-la. O que se pode saber sobre um homem? Será que ninguém lembra do Cidadão Kane, o extraordinário filme de Orson Welles? E, no entanto, vi muita gente insistindo em desvendar os significados profundos do ato de Adriano. Creio que a maioria das opiniões respondiam mais ao que o próprio autor gostaria de que fosse a verdade do que ao que por ventura em algum momento talvez tenha passado pela cabeça de Adriano. Vi de tudo. Vi se esboçar até o reaparecimento de combates que julgava um pouco soterrados. A "direita" imediatamente classificou o acontecido como mais uma demonstração de irresponsabilidade do jogador, mais uma forma, ademais, de complicar nossa imagem diante do Primeiro Mundo. Era apenas uma ação de um jogador que não tendo percebido onde o destino o colocara e, incapaz de compreender e desfrutar das maravilhas da Europa, tinha vindo vergonhosamente se refugiar em seu pobre país. Um ato, em suma, de alguém que, apesar de tantas oportunidades, por pura deficiência pessoal, não conseguia triunfar. Um fracassado, só isso. A "esquerda", por outro lado, vislumbrava no ato de Adriano um significado diametralmente oposto. No fundo e em essência, Adriano tinha se colocado contra essa sociedade de consumo que aí está, tinha preferido a liberdade à servidão, a pureza de seu meio ambiente paupérrimo, em contraste com a ostentação e o luxo obsceno de Milão. Adriano era um vencedor, alguém que, ao contrário de muitos que abaixam a cabeça e aceitam qualquer imposição vinda de cima, teve a coragem de dizer não. Ao se revoltar tinha saído à procura de sua própria felicidade, que lhe pareceu mais preciosa e mais importante que os milhões que ganhava na Inter.Adriano deu uma lição aos mercenários, e, de quebra, ao Mercado e a todos quantos avaliam a vida através da segurança e do bem estar financeiros, voltando para a favela onde nasceu, andando de chinelos e revendo amigos de infância. Evidentemente cada um procurou na atitude de Adriano pontos de aproximação com seu próprio modo de enxergar o mundo. Da minha parte acho que as coisas não são tão simples, não podem ser tão simples. E, no entanto, coisas sem explicação parecem cada vez mais difíceis de serem aceitas. Tudo deve ser explicado, tudo tem significado, tudo tem sentido, tudo pode ser compreendido. Será? Diante de um homem que larga tudo o que conseguiu na vida, que foge, que se afasta e aparece no lugar mais inesperado, exatamente no lugar onde jamais se supôs que uma pessoa quisesse regressar, o que dizer? O que estaria buscando Adriano, que tinha ficado enterrado no seu passado miserável e que precisava desesperadamente recuperar? Para voltar ao magnífico Cidadão Kane de Orson Welles, qual seria o Rosebud de Adriano?

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