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(Viramundo) Esportes daqui e dali

Ambição e imaturidade

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Por Antero Greco
Atualização:

Lavar roupa suja em público é embaraçoso, mas prato saboroso para vizinhos, quando se trata de assunto familiar, ou para o público em geral, se no rolo estiverem personagens conhecidos. Vira tema pra fofocagem e tanto, principalmente em ambiente de trabalho. Imagino como estejam os bastidores do Shakhtar a esta altura, depois da bronca que o técnico Mircea Lucescu lascou, no site oficial, pra cima do Bernard. O romeno disse que o moço parece jogador de Twitter, porque só dá notícias pela rede social. Apresentar-se para treinar que é bom, ou avisar em que dia baterá ponto no clube, até agora... nada. Lucescu lamenta a postura de Bernard, aquele que Felipão definiu como um atleta com "alegria nas pernas", e coloca em dúvida o profissionalismo dele, pois está fora do elenco desde a metade de maio, ao ser liberado para o Mundial. Enfim, um esculacho bem dado. Bernard respondeu pelo... Twitter, e colocou mais gasolina no fogo. "3 meses.. Sendo que a copa acabou faz 1 mês! Aula de matemática? Será preciso." Como se vê, relações estremecidas com o time ucraniano de Donetsk, o mais brazuca do leste europeu.O episódio pode transformar-se apenas em outro bate-boca corriqueiro entre professor e pupilo. Não será surpresa se surgirem bombeiros e logo mais ambos posarem juntos, sorridentes e a fingir paz e harmonia. Mas vai além das aparências e do desabafo de um chefe à espera do subordinado que teima em esticar as férias no aconchego do lar.Bernard faz parte da enorme legião de jovens que saem do Brasil em busca de fortuna no exterior - e de fama, se possível, mas não necessariamente. A trajetória apresenta semelhanças e varia pouco: despontam por aqui com potencial, ensaiam o papel de ídolos domésticos, se destacam em manchetes, beliscam convocações pra seleção e se mandam ao primeiro aceno de euros, dólares e outras moedas cintilantes. Partem chorosos, com um "até breve".Agentes, empresários, aspones, dirigentes esfregam as mãos ao perceber que se avolumam os indícios de que têm um produto lucrativo. Expõem a mercadoria o máximo que puderem, trabalham o marketing para valorizar o rapaz, inflam o cartaz dele e o repassam para os novos ricos de Europa e adjacências. Na maioria dos casos, ignoram pormenores como distância do Brasil, condições climáticas, políticas, religiosas. Tampouco se lixam para as diferenças gastronômicas e culturais. Detalhes insignificantes na hora em que os olhos brilham com as cifras. Vale a grana que entra nos mais variados bolsos.Se o jogador vacilar, leva um empurrão parecido com aquele do Petros no árbitro Raphael Claus, na base do "é pegar ou largar e é bom pra todos". Se ainda assim não ficar convencido, saca-se argumento definitivo: a perspectiva de passar uma temporada e voltar para casa. Isso acontece com tanta frequência que ninguém estranha mais. Ou os gringos pagam o mico ou se dá um jeitinho de algum clube daqui bancar a repatriação, até com valor acima da transação original. Sobram otários.Por isso, muitos embarcam na experiência só de corpo - e olhe lá. A alma, aqui entendida como vontade, dedicação, comprometimento, se mantém atada ao cantinho caseiro. Não se preparam para o desafio, não tomam como exemplos os patrícios que fizeram sucesso. Não têm discernimento do que significa a transação em que os meteram. Imaturos agem com idêntico ar blasè com quem encaram obstáculos por estas bandas. Se deu, deu. Se não deu certo, tudo bem e bola pra frente.Com essas e outras, cresce o descrédito de o brasileiro agir com a seriedade que se espera de trabalhador contratado com regalias que a maioria dos cidadãos nem sonham em alcançar um dia. Daí não adianta vir com conversa mole de que há má vontade, racismo, que o treinador "não gosta da gente" e outras bobagens do gênero. Até formar produtos de exportação de boa qualidade faz parte da tarefa dos nossos clubes, que vivem disso. E também em tal aspecto são imprevidentes.

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