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Apenas uma voz

A conquista da Taça Libertadores em 2005 e o tricampeonato brasileiro nos anos seguintes podem ter afastado o São Paulo da rota que ele próprio ajudou a criar para o futebol brasileiro. Enquanto esteve praticamente sozinho na terra de cegos, alguns parâmetros de organização e de instrumentalização do conhecimento foram estabelecidos. Não havia concorrência naquele nível, exceto o Internacional, campeão da América em 2006 e 2010. Foi um período importante, a ponto de virar a regra para o que viria a seguir. Com Muricy Ramalho no comando, o trabalho coerente, de equipe, dentro e fora do campo, mostrou que mesmo sem um craque era possível vencer, desde que tudo funcionasse bem. O sucesso é perigoso. Ao mesmo tempo em que molda o padrão, abastece a vaidade e desfoca o alvo. Estava claro que as virtudes do campo espelhavam o resultado do que se construía fora dele. Faltava um ou outro detalhe ao time, como um jogador no meio de campo com maior capacidade de organizar o jogo, mesmo assim o clube empilhava títulos. Era o suficiente para aquele momento, para aquele tipo de situação. Hoje é pouco. Para que serve a liderança do Paulista se a classificação na primeira fase da Libertadores está ameaçada? Os defeitos aparecem na competição mais exigente e mostram como o São Paulo se afastou de seus princípios. O exemplo está no andar de cima. Enquanto Xavi, Iniesta e Messi atuarem juntos, e em alto nível, o modelo do Barcelona poderá ser reconstruído. Mas no futuro, o time atual será uma perigosa referência. Provavelmente, muitas escalações serão comparadas ao que vemos hoje, produzindo uma incômoda e desnecessária decepção. Quer dizer, então, que o São Paulo é vitima de seu sucesso? Não, não é simples assim. Os jogadores mudam, o talento se desloca, mas o padrão pode ser mantido, principalmente na maneira de dirigir a instituição. E isso foi perdido no tsunami da soberba. Hoje a condução é personalista e a autoridade questionada. A crença da superioridade definitiva interfere nos resultados. No momento de avançar, de superar aquele estágio, o clube estacionou. Esquentar o óleo da frigideira de Ney Franco é fácil, difícil é enquadrar Luis Fabiano, é fazê-lo entender a hierarquia e mantê-lo em campo nos momentos cruciais. A percepção de quem vive o dia a dia do clube é que a administração já foi mais profissional. De fora, a visão não é muito diferente. É o caso do Corinthians. O óbvio ululante é que "jamais na história deste País" houve tanta organização em seu departamento de futebol. Seja para contratar um jogador ou para ensiná-lo como funciona o acesso ao grupo titular. Certamente não se chega a esse nível ouvindo apenas uma voz. Há muito tempo os treinadores estão isolados no São Paulo, independentemente de competência ou personalidade. Assim fica mais fácil eliminá-los. Se não prestam, a culpa deve ser dividida com quem os escolheu.

Por Paulo Calçade
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