Brasileiro surfa as maiores ondas do mundo sem prancha e apenas com nadadeiras nos pés

Kalani Lattanzi levou o bodysurfing a outro nível e espera colocá--lo nos Jogos Olímpicos de 2032

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Por Kelley Manley
Atualização:

Kalani Lattanzi flutuava à espera de uma das ondas de surfe mais temíveis do mundo com pouco mais do que nadadeiras. Bodysurfista brasileiro de 28 anos, ele estava boiando na água de Peahi, o renomado ponto de surfe na costa norte de Maui, que é mais conhecido como Jaws, esperando por uma enorme parede de água. Quando uma onda de seis metros se aproximou, bateu os pés com as nadadeiras e nadou ferozmente para pegá-la.

Sem o apoio de uma prancha de surfe, Lattanzi esticou o corpo e estendeu os braços sobre uma handplane, que é uma prancha do tamanho de uma bandeja. Deslizando pelo túnel criado pela onda, ele se tornou um dos poucos bodysurfers a atravessar o tubo de uma onda grande em Jaws.

Kalani Lattanzi levou o bodysurfing a outro nível surfando ondas de 12 metros Foto: Nuno Dias via The New York Times

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"Melhor tubo da minha vida", disse Lattanzi em entrevista depois. Num story do Instagram, Kelly Slater, onze vezes campeão da World Surf League, elegeu a performance do brasileiro como “uma das melhores pernadas de todos os tempos no mundo do surfe."

Foi o mais recente feito de cair o queixo que Lattanzi adicionou ao seu currículo. Desde que entrou em cena em 2015 ao surfar ondas de 10 a 12 metros na costa de Nazaré, Portugal, o Monte Everest das ondas, Lattanzi enfrentou algumas das maiores ondas do planeta. No processo, ele ultrapassou os limites do bodysurf de ondas grandes, um nicho em que os surfistas pegam e surfam ondas monstruosas com seus corpos, um par de nadadeiras e às vezes uma handplane, dispositivo que pode deixar as ondas mais fáceis de surfar (e que alguns puristas veem como uma muleta).

"É uma das coisas mais incríveis que já vi", disse Nic von Rupp, surfista profissional de ondas gigantes. "É como se pendurar na asa do avião enquanto está todo mundo sentado lá dentro."

O bodysurf é uma das formas mais antigas de surfe e nos últimos anos cresceu muito em termos de competições e praticantes. Embora não haja um circuito organizado de competição, um órgão nacional foi fundado nos Estados Unidos em janeiro, com o objetivo de levar o esporte aos Jogos Olímpicos de Verão de 2032 em Brisbane, Austrália.

Os adeptos do esporte o caracterizam como uma das formas mais puras de surfe. "É como se cada célula do seu corpo estivesse vibrando com a energia do oceano", disse Ryan Masters, surfista de ondas gigantes de Santa Cruz, Califórnia. "Acho que é o mais próximo que você pode chegar de experimentar fisicamente a energia tangível do universo, você pode chamar de Deus ou de qualquer outra coisa".

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Pegar uma onda grande exige que os bodysurfers se posicionem no lineup como um surfista faria, boiando na água até que a onda certa chegue, o que pode demorar um pouco: certa vez, Lattanzi ficou na água por quatro horas para pegar três ondas em Nazaré.

Quando a onda certa se aproxima, os bodysurfers precisam gerar o máximo de velocidade possível nadando e batendo os pés com as nadadeiras, aí, quando entram na onda, eles usam seus braços, tronco e pernas para controlar a direção e a velocidade. Alguns bodysurfers como Mike Stewart, uma das poucas pessoas que já surfaram uma onda na costa de Teahupo'o, Tahiti - considerada uma das mais letais do mundo - observa focas, golfinhos e lontras para saber como manobrar melhor na água.

Como os bodysurfistas surfam de cabeça em ondas enormes, pode parecer um estilo mais perigoso do que surfar com prancha, especialmente para surfistas iniciantes, que tendem a pegar ondas em águas rasas e às vezes não sabem como proteger a cabeça quando a onda quebra. Se os surfistas de prancha ficam mais propensos a sofrer lacerações ao serem atingidos por suas pranchas, os bodysurfers correm mais risco de entrar em contato com o fundo do mar, o que pode causar lesões devastadoras na coluna cervical, disse Pascal Juang, médico do pronto-socorro do Hoag Hospital em Newport Beach, Califórnia.

Mas alguns dizem que bodysurfers experientes em ondas grandes podem ficar mais seguros sem prancha. “Parece muito mais assustador não ter prancha, mas, se você é bom nadador, tem nadadeiras, conhece o lineup e tem um alto grau de conhecimento das ondas grandes, é melhor do que estar numa prancha sem nadadeiras”, disse Matt Warshaw, autor de The Encyclopedia of Surfing.

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Boiando e mergulhando em ondas enormes feito uma foca, Lattanzi parece muito à vontade, o que ele credita a uma vida inteira vivida na água. Ele começou no bodysurf aos 12 anos em Itacoatiara, Brasil, e já sonhava em pegar ondas monstruosas. "Quando comecei a surfar, me perguntei se era possível alguém surfar uma onda gigante só com o corpo”, disse ele. “Aí comecei a crescer e percebi: ‘OK, sou eu quem vai fazer isso’."

Em 2011, aos 17 anos, ele já praticava bodysurf em Arica, no Chile, e Puerto Escondido, no México, capital mundial das ondas grandes. Em 2015, ele foi para a Nazaré, onde passou os seis anos seguintes pegando algumas das maiores ondas já surfadas, algumas de até 12 metros - feito desafiador que seria como mergulhar de um prédio de quatro andares. “Ele não tem comparação”, disse Mark Drewelow, bodysurfer competitivo de Encinitas, Califórnia.

Lattanzi se prepara como um atleta profissional para atender às demandas da prática. Ele cuida da alimentação, faz treinamento funcional, levanta pesos e pratica ioga para aguentar as muitas horas de natação, enfrentar as ondas enormes e suportar seu impacto. Agora ele está de olho nas Mavericks, ondas notoriamente perigosas do norte da Califórnia que podem atingir alturas de mais de 18 metros. Ele quer enfrentá-las ainda este ano. "É preciso ter a cabeça realmente tranquila. É preciso ter uma força incrível. Pulmões incríveis. O pessoal o chama de Aqua Gorilla, porque ele é muito forte na água", disse Masters.

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Quando Masters tentou encarar as Mavericks em 2016, ele machucou um pulmão, fraturou o pescoço, quebrou a clavícula e sete costelas e foi levado de helicóptero para o Hospital Stanford. "As Mavericks são um bicho diferente, muito diferente de qualquer onda do planeta", disse Masters. "É uma coisa inacreditavelmente selvagem".

Diante dos riscos, alguns se perguntam por que Lattanzi está disposto a dar braçadas até os picos de surfe mais perigosos do mundo. Até Mark Cunningham, amplamente considerado o melhor bodysurfista de todos os tempos, se perguntou: "Ele vai nadar em águas que eu nem ousaria enfrentar. Qual é a motivação dele?".

Para Lattanzi, é simples. "Eu amo tudo isso", disse ele. "Adoro a adrenalina, adoro essa sensação de estar cercado de água e enfrentar as maiores ondas e ultrapassar meus limites. Vou atrás de adrenalina, com certeza". / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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