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Camisa dez

Boleiros

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Por Redação
Atualização:

Estou de férias na Itália. Domingo passado fui assistir a Lazio x Milan, no estádio Olímpico de Roma. Delícia de programa. Jogo noturno, noite de outono. Horário, 20h30. Dois amigos italianos, Fúlvio e Simone, cada um torcendo para um time. Compramos os ingressos com dois dias de antecedência. Ingressos são vendidos em vários postos - bares autorizados, lojas especializadas em venda de ingressos para espetáculos. Mas para comprá-los é necessário a apresentação de algum tipo de documento de identidade. Caso contrário, nada feito. O controle é rigoroso e parece eficiente. O nome do comprador aparece no bilhete. Nas catracas, leitura de código de barras. Pelo que entendi o estádio Olímpico recebe os jogos tanto da Lazio quanto da Roma. Pitoresco. Mas, também, lógico. O estádio é bonito, mas mais bonito é o seu entorno. Há na parte de fora um ''''miniestádio'''' com enormes estátuas de mármore (suponho eu), representando atletas dos tempos do Império. Imponente, colossal. Clássico. A torcida da Lazio é ruidosa. Entoa cantos o tempo todo, letras adaptadas em cima de melodias conhecidas. ''''Guantanamera'''' é substituída por palavras ofensivas aos visitantes. Tudo muito parecido. O que é bem diferente é o fato de os lugares marcados serem respeitados e, principalmente, a qualidade do gramado. A bola rola sem quicar. Mas isso depende da qualidade do passe, da qualidade do jogador. E estavam em campo Kaká e Seedorf. Seedorf é o camisa 10 da esquadra de Milão. Fazia tempo que não via uma camisa 10 tão bem honrada. Impressionante o seu senso de colocação, a sua visão de jogo e, sobretudo, a eficiência e limpidez de sua distribuição. Não sou de acompanhar o que acontece pelos gramados do mundo. O êxodo massivo dos nossos jogadores me indispõe com o futebol globalizado, com essa legião estrangeira que enfeita as escalações dos times europeus. Não tinha a menor idéia do que vinha fazendo Seedorf nos últimos anos. Confesso que só recentemente voltei a ouvir falar de seu nome. Mas ele foi o dono do jogo. De seus pés nasceram as jogadas que construíram o placar acachapante. O Milan destruiu a Lazio e a contagem desse massacre somou 5 contra 1. Kaká fez dois gols, entregou outro de bandeja e escreveu mais uma página do roteiro que provavelmente será concluído com o prêmio de melhor do mundo. Antigamente costumava-se chamar esse tipo de jogador de ponta-de-lança. É o que ele é e foi na noite dominical. Com muita agudez, a objetividade de suas arrancadas fulminantes visa ao gol, mira o vazio entre as balizas, encontra as redes. Dois tentos, e muito mais. Na minha simplória concepção do que é o futebol, um grande time tem que ter um grande camisa 10. A mística da jaqueta 10 foi eternizada por Pelé, e tem Maradona, Zico e Platini como seus seguidores. Cada um de nós deve ter na memória um grande esquadrão que defendeu as cores de seu clube de coração e, certamente, nessa escalação havia um gigante vestindo a camisa 10. Junte um craque que é o cérebro do meio-campo, dê a ele a companhia de um ponta-de-lança talentoso e mortífero, e as coisas não têm como dar errado. A Lazio não tinha como resistir. O placar fez a conta simples de duas parcelas. Achava que o nosso futebol andava escasso e saudoso dos grandes centroavantes. Vendo Seedorf, percebi que há falta de camisas 10. Talvez seja apenas reflexo das sobreposições que parecem ser a essência do futebol moderno: múltiplas funções, compensações, revezamento. Mas no fundo, no fundo, a carência está nítida. Tudo se resume a saber combinar direito o um e o zero. Dez!

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