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Casual, não inconsequente

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Por Redação
Atualização:

Após um sono necessário e restaurador, acordei na tarde de domingo por volta das sete horas. Tinha feito show na madrugada e viajado de volta a São Paulo pela manhã. Assim que despertei, me lembrei que tinha perdido Roma x Milan. Liguei a tv em tempo de ver os cinco minutos finais. Que jogo! Pelo menos nesses 5 minutos a bola não parou. Numa sucessão impressionante de ataques e contra-ataques cada equipe poderia ter feito dois ou três gols, tal a agudeza dos lances. O placar já estava 2 a 2, e assim terminou. Brasileiros em campo? Contei Kaká, Pato, Cicinho, Juan e Júlio Batista. Ronaldinho Gaúcho não estava e não reparei na presença de Doni. Uma seleção. Não vou enveredar pelo caminho da queixa, o lamento de não ver jogos assim em nossos campos. Cansei. É esse o quadro atual, o status do futebol jogado no Brasil é de outro nível. Para não ferir o brio dos nossos representantes, daqueles que permanecem jogando futebol nesta terra tropical, vou dizer que o status do nosso futebol é continental. Aqui só jogam sul-americanos. Na Europa, uma legião estrangeira. E isso estabelece indiscutível diferença. Mas vi naquele imenso contingente de brasileiros exibindo seu talento em prados italianos uma imagem interessante de deslocamento e me permiti um devaneio, imaginando a vida diferente. O que teria acontecido comigo, se não tivesse entrado naquele trem? A vida que não teria conseguido, se tivesse insistido com a faculdade de Matemática e não a tivesse abandonado para tocar violão? Um dia desses meu filho me perguntou por que não aceitei convite que me fizeram na adolescência para entrar no Santa Cruz e não no Colégio Equipe. "Para encontrar sua mãe." Sem saber, minha opção por uma escola e não pela outra me levou a conhecer a menina que veio a ser minha mulher e hoje é a mãe de quatro dos meus cinco filhos. Na fila da apostilaria estava o futuro que deu origem ao menino e a possibilidade de sua pergunta. Sobre os ladrilhos hidráulicos xadrez pisavam os passos desconhecidos que me levaram ao casamento. Se ela não estivesse lá, não estaria eu hoje aqui. Quantos desses pequenos encontros, dessas pequenas escolhas não acabam por determinar o resto de nossos dias? Ir ao cinema hoje pode significar que seremos avôs daqui há cinquenta anos. Talvez na poltrona ao lado, talvez na fila da pipoca, talvez parada na vaga ao lado do seu carro no estacionamento esteja a mulher que procurou a vida inteira. Talvez na calçada esburacada que te fez tropeçar, pois a chuva que caía sobre seu rosto te impediu de ver o vulto que vinha a seu encontro e assim, de um tropeção enlameado numa poça d?água na Paulista, vocês se encontraram pela primeira vez. Sim, olhando pra trás tudo parece ter lógica e fazer sentido. Construímos nossas vidas e depois de feitas parecem que sempre assim existiram e apenas esperavam pelo tempo de sua revelação. É mera ilusão a ideia de que existe o futuro. Cada gesto novo, cada movimento, cada passo que vá em alguma direção, terá como decorrência uma sucessão de outros encontros, e nessa corrente de elos amarramos os fatos que constroem e criam nossas vidas. Nem peixes nadando coordenados em cardumes, nem pássaros voando em bandos orientados pela bússola do instinto que fixa o caminho na lousa invisível do infinito céu. Apenas homens, mulheres à procura do seu destino. Seja lá onde for, seja como vier. Casual, mas não inconsequente. Assim.

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