Como o Super Bowl virou um grande negócio muito além do jogo

A final da NFL é um feriado informal, que atrai mais gente do que cabe no estádio e na qual artistas e celebridades brigam para participar

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Por Paulo Mancha
Atualização:

A capacidade oficial do SoFi Stadium, palco do Super Bowl, que acontece neste domingo, é de 70.240 espectadores. No entanto, a prefeitura de Inglewood, estima que mais de 150.000 visitantes de outros estados e países estejam desde o começo da semana perambulando pela cidade e suas vizinhas da Grande Los Angeles. Sem contar algumas centenas de milhares de pessoas da própria metrópole. Na maioria, são pessoas que não tem ingresso nem pretendem comprar. Como explicar esse fenômeno? Basta ver a programação de eventos paralelos ao jogo. 

Mais de 150 atrações paralelas estão sendo oferecidas nesta semana da final da NFL, sempre envolvendo ex-jogadores e celebridades. São festas, exposições, tardes de autógrafo, jantares, desfiles de moda, clínicas de futebol americano e torneios dos mais variados esportes. 

Dr. Dre será um dos astros do show do intervalo do Super Bowl Foto: Adam Hunger/Reuters

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Há opções baratas e populares, com ingressos na faixa de US$ 20 (R$ 104). É o caso do Super Bowl Experience, uma espécie de parque temático de futebol americano onde crianças e adultos podem testar suas habilidades em dezenas de nichos que simulam o esporte, além de brincar de videogames, ver exposições de troféus, assistir a filmes, comprar produtos e pegar autógrafos de dezenas de atletas contratados para ficar zanzado por ali. 

E existem também eventos para poucos, como o Culinary Kickoff presented by Porsche, um jantar de gala preparado por alguns dos mais famosos chefs do país, na sede do clube de proprietários da Porsche e repleto de famosos e ex-jogadores. O ingresso sai por US$ 1.500 (R$ 7.800) por pessoa.

Super Bowl: o Carnaval do Tio Sam

Dá para traçar um paralelo com o Carnaval do Rio de Janeiro: uma festa contínua, de vários dias, em diversos lugares, com público de todas as estirpes. Não é à toa que a maior região metropolitana da Califórnia espera um faturamento de US$ 477 milhões (R$ 2,4 milhões) graças à final da NFL. 

“Acho que estamos entrando na próxima era dourada dos esportes e do entretenimento”, declarou o prefeito de Los Angeles, Eric Garcetti, em entrevista ontem à repórter Rory Carroll, da agência de notícias Reuters. Vale lembrar que não são apenas turistas. Além das arquibancadas normais, o estádio recebeu mais 30.000 assentos improvisados, destinados a jornalistas de outros estados e países e aos convidados da liga e dos times. 

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Nesta edição, sem as restrições relativas à covid-19 que em 2021 deixaram o Raymond James Stadium, de Tampa, com apenas 25% da capacidade, o Super Bowl voltará a ser o maior evento esportivo dos Estados Unidos. Mesmo com ingressos custando em média o valor de um carro popular zero quilômetro no Brasil. 

Segundo apuração do site especializado em negócios do esporte Sportico, em 2022, foi batido um recorde, com ingresso mais barato na faixa de US$ 4.500 (R$ 23 mil) e o mais caro saindo por US$ 100 mil (R$ 522 mil). O preço médio é de US$ 8.772 - equivalente a R$ 46.000 no câmbio oficial. 

Essas somas se tornam ainda mais impressionantes se comparadas às da primeira edição do Super Bowl, disputada em 1967, quando duas ligas rivais - AFL e NFL - decidiram fazer um tira-teima para definir quem era o verdadeiro campeão do país. Naquela ocasião, havia ingressos por US$ 6 para o jogo entre Kansas City Chiefs (da AFL) e Green Bay Packers (da NFL). E, mesmo assim, o Los Angeles Memorial Coliseum não lotou. 

A TV faz a festa

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Em 1983, quando o episódio final do seriado M*A*S*H parou o país e bateu todos os recordes de audiência da TV americana, ninguém achava que qualquer coisa mostrada na telinha pudesse superar os quase 106 milhões de telespectadores registrados pelo Nielsen Media Research. Demorou, mas aconteceu. Em fevereiro de 2010, a grande final da NFL entre Indianapolis Colts e New Orleans Saints atingiu 106,5 milhões de pessoas na média. 

A partir daí, em mais sete ocasiões o Super Bowl superou a marca, chegando ao recorde de 114,5 milhões de telespectadores em fevereiro de 2015, quando o New England Patriots bateu o Seattle Seahawks por 28 a 24 em dos mais épicos finais de partida da história. No total, das dez maiores audiências da história da TV nos Estados Unidos, nove são Super Bowls. 

É verdade que no último ano, os números registrados foram para lá de decepcionantes, com apenas 91 milhões de telespectadores em média durante a partida final, em fevereiro de 2021. 

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Se depender dos dados apurados pelo National Retail Federation (NRF), entidade que mede tendências do comércio no país, a recuperação virá tão forte quanto um tackle de Aaron Donald, o principal defensor do Los Angeles Rams. A pesquisa mostra que pelo menos 104 milhões de americanos pretendem assistir à partida. O que recolocaria o Super Bowl no Top 10 do ranking histórico de audiência da TV dos Estados Unidos.

O reflexo do otimismo vem também nas cifras dos comerciais. Nunca se pagou tão caro por 30 segundos na televisão: a rede a NBC revelou esta semana que vendeu completamente a cota de anúncios, com alguns de meio minuto chegando a custar US$ 7,1 milhões (R$ 37 milhões). No ano passado, em meio à pandemia, a CBS não conseguiu bater a marca de US$ 5,5 milhões (R$ 28 milhões).

Por isso, a emissora detentora dos direitos este ano prevê faturar US$ 500 milhões (R$ 2,6 bilhões) durante as cerca de quatro horas de transmissão. “Não me lembro de uma ocasião em que a NFL estivesse tão quente. Os últimos seis jogos foram fabulosos e estão na boca do povo", declarou anteontem o narrador AL Michaels, da NBC, que fará sua 11ª transmissão da grande final. 

O jogo entre Cincinnati Bengals e Los Angeles Rams realmente promete, mas, como nas edições anteriores, os comerciais mais caros são aqueles inseridos nos momentos próximos a um atrativo especial: o show do intervalo. 

Michael Jackson mudou a NFL

O famoso show do intervalo do Super Bowl é uma tradição desde a primeira edição do jogo, em 1967. Mas durante mais de duas décadas, ele não passou de uma protocolar apresentação de bandas marciais de universidades próximas à cidade-sede. 

Isso começou a mudar em 1991, quando a então sensação pop da época, o grupo New Kids on the Block, foi contratada para tentar fazer os níveis de audiência se manterem estáveis ou, ao menos, não despencarem, como vinha acontecendo ano após ano no intervalo entre uma etapa e outra. 

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Deu certo e, em janeiro de 1993, aconteceria o show que mudou de vez o Super Bowl. Com uma apresentação repleta de efeitos especiais, Michael Jackson surpreendeu o mundo: pela primeira vez na história, o intervalo teve mais audiência que a própria partida. No pico, 133,4 milhões de americanos viram o Rei do Pop interpretar clássicos como “Billie Jean”, “Black or White” e “We are the World”. 

Desde então, astros do calibre de Paul McCartney, U2, Rolling Stones, Lady Gaga, Madonna, Beyonce, Shakira e Jennifer Lopez já deram as caras na final da NFL, ocasionando um curioso efeito: o aumento da duração do intervalo, de 12 minutos para cerca de meia-hora. Fato que atrapalha o aquecimento dos jogadores, mas permite aos técnicos corrigir de forma mais detalhada as estratégias. 

Brigar para tocar de graça

O sucesso do “Halftime Show” é tão estrondoso que a NFL não paga nada para os artistas. São eles que buscam freneticamente ser escalados chamados para a festa. Justificativas não faltam: nos dias seguintes ao Super Bowl LV, em fevereiro de 2021, as vendas de músicas do cantor canadense The Weeknd subiram 385%, segundo o instituto MRC Data, especializado em mídias digitais. 

Não existe propaganda melhor que mostrar emoção e romantismo no mesmo gramado em que, minutos antes, gigantes com mais de 100 quilos protagonizavam uma batalha campal. Neste domingo, quem passará pela experiência é um time completo e bem treinado de celebridades pop: Mary J. Blige, Snoop Dogg, Dr. Dre, Kendrick Lamar e Eminem. 

“É um sonho que se realiza”, disse o rapper Snoop Dog, em entrevista coletiva concedida entre um ensaio e outro no estádio. A pesquisa mais recente da National Retail Federation (NRF) descobriu que 18% dos abordados consideram o show do intervalo mais importante do que o jogo. E que 21% preferem os comerciais a todo o resto. O jogo é o foco de 40% e os 21% restantes gostam igualmente de tudo. Nos Estados Unidos, essa mistura improvável de arte, publicidade e esporte é sedutora e extremamente lucrativa.

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