PUBLICIDADE

Publicidade

Conformado com o trivial

Por Paulo Calçade
Atualização:

A temporada do futebol brasileiro terminou com a torcida do Fluminense exaltando seu time de guerreiros. Vontade e garra são ingredientes de qualquer esporte, é básico, mas por aqui a importância disso tem sido perigosamente maior, nos bons e nos maus momentos. É como se não houvesse nada mais importante para definir uma equipe e impulsioná-la que o espírito de luta.O campeão é o vencedor de uma batalha pelo espaço, de divididas com o sangue estampado nos olhos como prova do desejo. Nada como um carrinho daqueles em que o jogador desliza para fora do gramado, na inútil tentativa de salvar uma bola que jamais será alcançada. Como o torcedor gosta disso, como se ilude tanto!Perigoso. Há mais gente preocupada em ter um bando de guerreiros para torcer do que um de futebol, formado por gente capaz de driblar e de passar a bola com perfeição. A situação não é desesperadora, mas ouvir esse papo de time raçudo o tempo todo incomoda demais. As novas gerações de torcedores, adestradas no Playstation, vão se formando num ambiente preocupante, entre a plataforma virtual e a realidade inibidora do talento.Identificar a ausência de arte no futebol brasileiro é óbvio, assim como atribuir a situação apenas à exportação dos melhores jogadores. Mais que isso: faltam desejo e ambição. Preste atenção ao Barcelona, time das três indicações para a Bola de Ouro.Em janeiro, o prêmio ao melhor do mundo será de Iniesta, Xavi ou Messi, talentos criados em La Masía, a cantera do Barça. A razão do sucesso está numa divisão de base que não se presta a ser depósito de apadrinhados nem se preocupa em vencer a qualquer custo. A vitória é fruto de uma ideia, de um estilo que levou o clube a uma série de conquistas, além da seleção espanhola ao título mundial. O Barcelona é posse de bola em torno de 70%, passe preciso, toque de primeira, mobilidade, velocidade e paciência, alternância de ritmo, inversão do lado de jogo. A questão não é copiá-lo, como se houvesse por aqui um Xavi mal compreendido, escondido num campinho de terra. Vai além, é perceber a possibilidade de estabelecer um estilo baseado no talento e trabalhar por isso.Com uma ideia e excelentes jogadores, a construção da equipe catalã está no futebol solidário, no jogo colaborativo. O talento sobressai sempre, resultado do coletivo. Hoje, para começar uma carreira em La Masía é preciso entender isso. Basta observar Messi e suas jogadas geniais, não há desperdício, o argentino joga por ele e pelo grupo. O Barcelona também não merece ser definido como um time de guerreiros? Atacar e defender com a máxima eficiência parece simples para uma equipe quase sempre em vantagem numérica no meio de campo, com e sem a bola.Os clubes brasileiros estão carentes de ideias, estão conformados com o simples, com o trivial. E assim o tempo vai passando até que a pobreza técnica e tática seja dominante. Por isso, é necessário intervir na formação, na base. Os blaugranas não podem ser os únicos capazes de fazer isso bem feito. Um país reconhecidamente talentoso como o nosso há de ter a capacidade de reinventar o seu jogo. Ou de retomar um estilo que já foi nosso e hoje babamos por ele.Essa conversa de time de guerreiros é perfeita para a maioria dos treinadores. No lugar de um trabalho autoral, como o Barcelona de Guardiola, vemos em campo o espelho daquele lutador que anima o banco de reservas com suas performances tresloucadas. Com dizia Nelson Rodrigues, "sem paixão não dá nem pra chupar um picolé". E o nosso está derretendo.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.