Conheça Colin Kaepernick, astro da NFL que se tornou um ícone da resistência contra o racismo

Negro, adotado e criado por uma família branca, Kaepernick cresceu em meio às diferenças raciais nos Estados Unidos

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Por Raul Vitor
Atualização:

Colin Kaepernick é uma referência no combate ao racismo nos Estados Unidos. Em 2016, durante um jogo da pré-temporada da NFL entre 49ers e Green Bay Packers, Kaepernick recusou a se levantar do banco de reservas durante a execução do hino nacional norte-americano, como forma de protesto. Seu ato foi o propulsor de uma série de manifestações do movimento "Black Lives Matter" (vidas negras importam), iniciado em 2013, que, na época, ganhava repercussão internacional. Seu nome voltou a ser lembrado após o assassinato de George Floyd por um policial nos Estados Unidos.

Kaepernick chegou a ser um dos principais jogadores da NFL, liga de futebol americana dos Estados Unidos, mas desde a infância teve de lidar e lutar contra o racismo no país. No dia 3 de novembro de 1987, no gelado inverno da cidade de Milwaukee, localizada na extremidade leste de Wisconsin, EUA, nascia Colin Kaepernick. Sua mãe biológica, Heidi Russo, que na época tinha 19 anos, enfrentou uma gravidez solitária, já que o pai não assumiu o compromisso ao saber da gestação de sua companheira.

Colin Kaepernick, o jogador de futebol americano que virou ativista dos direitos civis Foto: Carmen Mandato/AFP

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Russo, então, decidiu entregar Colin a Rick e Teresa Kaepernick, um casal do qual se aproximou através de um contato em comum. Ambos já possuíam dois filhos, mas também haviam perdido outros dois, de forma precoce, por causa de problemas cardíacos. A família Kaepernick se mudou para a Califórnia, quando Colin tinha quatro anos de idade e lá ele cresceu ao lado de seus irmãos, Kyle e Devon. Mais tarde, o garoto deu seus primeiros passos no futebol americano, onde se destacou pelo forte arremesso. Ao entrar no High School, não foi diferente, Kaepernick chegou à seleção de todos os distritos e de todas as conferências, mas isso não foi suficiente para chamar a atenção dos olheiros das universidades.

Jogador promissor

Apenas em 2007, na iminência de seus 20 anos, Kaepernick conquistou uma bolsa universitária. Colin participou de uma seletiva da Universidade de Nevada e provou suas habilidades no futebol. Em seu primeiro ano, foi escalado para jogar como safety, mas, após uma lesão do quarterback titular, ocupou a posição de passador, para nunca mais deixá-la. Foram 19 passes para touchdown em sua primeira temporada como calouro.

Ao longo de seus quatro anos de faculdade, Kaepernick quebrou uma série de recordes escolares e chamou a atenção do San Francisco 49ers, que o selecionou na segunda rodada do draft da NFL de 2011. Kaepernick passou uma temporada no banco de reservas, até que Alex Smith, o quarterback titular da franquia de São Francisco, se machucou. O novato respondeu em grande estilo e impressionou o então treinador dos 49ers, Jim Harbaugh, que o tornou seu quarterback titular. A decisão foi bastante controversa e questionada pela imprensa esportiva norte-americana, já que Alex Smith fazia excelente campanha. A resposta ao barulho midiático ao redor de Kaepernick veio com a chegada da franquia ao Super Bowl XLVII, diante do Baltimore Ravens, em 2012, que por muito pouco não foi conquistado pelos 49ers.

Os anos seguintes foram marcados pela decadência da franquia. Em 2013, a equipe conseguiu manter uma boa temporada com 12 vitórias e quatro derrotas, mas caiu diante do Seattle Seahawks no confronto pela NFC. Em 2014, foram oito vitórias e oito derrotas e a franquia não chegou aos playoffs. O peso das más atuações recaiu sobre os ombros de Kaepernick, que se machucou e perdeu a titularidade, em 2015, da mesma forma como havia obtido sua vaga no time.

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Não vou me levantar para mostrar orgulho por uma bandeira de um país que oprime pessoas negras e pessoas de cor

Colin Kaepernick, astro da NFL

Símbolo de resistência

Numa partida de pré-temporada contra o Green Bay Packers, em 2016, Kaepernick não se levantou durante a execução do hino nacional norte-americano. Ele preferiu ficar sentado no banco de reservas em protesto, durante uma das maiores demonstrações contra as pessoas que comandavam seu país. Kaepernick convive com as diferenças desde seu nascimento. É negro, adotado e criado por uma família de brancos. Para ele não há justificativas para que a taxa de assassinatos de negros fosse oito vezes maior do que a de brancos, como revelou um levantamento da ONU naquele mesmo ano. "Não vou me levantar para mostrar orgulho por uma bandeira de um país que oprime pessoas negras e pessoas de cor. Para mim, isso é maior do que o futebol americano e seria egoísta da minha parte fingir que não estou vendo", disse Kaepernick, em entrevista após a partida.

O ato do jogador foi precursor de uma série de manifestações do movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), que começava a ganhar projeção nacional na época, e passou a ser replicado por diversos outros jogadores de modalidades distintas dos esportes norte-americanos, que também se negavam a levantar durante a execução do hino nacional.

Kaepernick alterou sua forma de manifestação em respeito aos militares dos Estados Unidos. Nate Boyer, veterano do exército e jogador do Seattle Seahawks, escreveu uma carta aberta ao companheiro de NFL, na qual explicou descontentamento com o gesto. "Não estou te julgando por defender o que você acredita. É seu direito inalienável. O que você está fazendo exige muita coragem, e eu mentiria se dissesse que sabia como era andar no seu lugar. Eu nunca tive de lidar com preconceitos por causa da cor da minha pele e, para dizer que posso me relacionar com o que você passou, é tão ignorante quanto alguém que nunca esteve em uma zona de combate, dizendo que eles entendem o que é isso", disse Boyer.

Nos últimos dias, atletas da NFL e Donald Trump entraram em conflito após o presidente ofender e pedir a demissão de jogadores que se ajoelham durante o hino nacional, tocado antes das partidas. O gesto foi iniciado em 2016 por Colin Kaepernick, quarterback do San Francisco 49ers, como protesto contra a morte de jovens negros desarmados por policiais, e é parte de um longo histórico de protestos de atletas contra a discriminação racial. Foto: Kevin Hoffman / USA Today Sports

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O boina verde explicou a Kaepernick que durante um funeral militar a bandeira norte-americana é entregue à família do falecido por um oficial, que entrega o item ajoelhado. Foi aí que Kaepernick passou a acompanhar o hino dos Estados Unidos de joelhos, ao invés de permanecer sentado no banco.

As más atuações de San Francisco permaneceram e a equipe fechou a temporada com duas vitórias e 14 derrotas. Não fazia mais sentido, tanto para Kaepernick quanto para os 49ers, manter um vínculo. Por isso, ambos romperam relações naquele mesmo ano. Desde então, o jogador está desempregado.

Em outubro de 2017, Kaepernick apresentou uma queixa aos dirigentes da NFL por conluio. Segundo o documento, a NFL e seus proprietários "conspiraram para privar Kaepernick dos direitos trabalhistas em retaliação à liderança e defesa por igualdade e justiça social, e sua conscientização para instituições peculiares que ainda prejudicam a igualdade racial nos Estados Unidos".

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De fato, não havia argumentações suficientemente sólidas para justificar a falta de interesse das franquias pelo jogador. Kaepernick tinha 29 anos, consideravelmente novo para a posição em que atuava. "Não existe precedente dentro de campo para alguém como Kaepernick continuar sem uma oferta de emprego depois de ser um atleta tão regular. Os motivos que o mantém desempregado só podem estar fora de campo. E mesmo estes estão cheios de furos", disse Bill Barnwell, colunista da ESPN.

Os motivos que o mantém desempregado só podem estar fora de campo. E mesmo estes estão cheios de furos

Bill Barnwell, colunista da ESPN americana

Fora dos campos, um ícone

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Em dezembro de 2017, Kaepernick foi homenageado pela União Americana pelas Liberdades Civis e recebeu o prêmio Eason Monroe Courageous Advocate. "Todos nós temos a obrigação, independentemente do risco e, independentemente da recompensa, de defender nossos companheiros homens e mulheres que estão sendo oprimidos com o entendimento de que os direitos humanos não podem ser comprometidos", disse Kaepernick em seu discurso.

No mesmo mês, o jogador tornou-se um dos finalistas da tradicional designação de Pessoa do Ano da revista Time e conquistou o troféu Muhammad Ali Legacy, da Sports Illustrated, concedido a esportistas que lutam por ideais de liderança e filantropia, para mudar o mundo. Em setembro de 2018, o jogador se tornaria o rosto da campanha de 30 anos da Nike com a frase: "Acredite em alguma coisa. Mesmo que isso signifique sacrificar tudo".

A mais recente atuação de Kaepernick foi diante das manifestações contrárias ao racismo nos Estados Unidos em decorrência do assassinato de George Floyd. O ex-49ers lançou um fundo para a contratação de advogados em apoio aos manifestantes que forem presos. Muitas pessoas, inclusive policiais dos EUA, repetem seu gesto de se ajoelhar em sinal de protesto."Quando a civilidade leva à morte, revoltar-se é a única reação lógica. Os gritos de paz choverão e, quando o fizerem, cairão em ouvidos surdos, porque sua violência trouxe essa resistência. Temos o direito de revidar! Descanse com força, George Floyd", escreveu Kaepernick em seu Twitter.

Seu gesto, criado e alterado em 2016, continua sendo um símbolo de resistência nos Estados Unidos e no mundo. Ao redor das manifestações, que se proliferam com rapidez pelo território norte-americano, pessoas ajoelhadas pedem justiça pela morte de Floyd.

Possível retorno

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O embate entre a NFL e Kaepernick terminaria em fevereiro de 2018. Ambos os lados entraram em um acordo sigiloso. Em novembro de 2019, foi revelado que a liga estaria executando uma sessão de treinamentos com o jogador e representantes das 32 equipes. Houve problemas técnicos e apenas oito representantes de franquias apareceram. Por enquanto, ele continua sem clube.

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