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Conheça Jost Kobusch, o alpinista mais solitário do Monte Everest

Alemão está tentando ser o primeiro a escalar a montanha mais alta do mundo sozinho, no inverno e sem oxigênio suplementar

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Por Michael Levy
Atualização:

Os restos esfarrapados de uma tenda laranja ao vento. Uma corda pendurada em um paredão de 100 metros de rocha. O som de cravos rangendo na neve quebra o silêncio. Uma única mochila na vista, e ela pertence a Jost Kobusch, alemão que agora pode ser melhor descrito como o alpinista mais solitário do mundo. Ele está no Monte Everest, no auge do inverno, tentando escalar a montanha mais alta do mundo durante uma temporada em que quase ninguém se atreve a escalá-la.

Não se vê mais ninguém por quilômetros e quilômetros, apenas Kobusch e um desafio de 8848 metros: tornar-se a primeira pessoa a escalar o Everest sozinho, no inverno, sem oxigênio suplementar.

Jost Kobusch está tentando ser o primeiro a escalar a montanha mais alta do mundo sozinho, no inverno e sem oxigênio suplementar Foto: Daniel Hug via The New York Times

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Em uma chamada por WhatsApp direto do Nepal, Kobusch descreveu a surreal solidão da paisagem. “Basta imaginar uma coisa: só tem uma barraca no acampamento base”, disse. A barraca dele, claro. Ele tossiu no telefone. O ar gélido - que pode cair a 60 graus negativos no auge do inverno - está dificultando a vida de seus pulmões, disse ele.

Se for bem-sucedido, Kobusch, de 29 anos, gravará seu nome na história da escalada do Everest. Até ele reconhece que é um grande “se”, mas sua tentativa reflete o impulso de deixar uma marca na montanha mais famosa do mundo.

Desde que Edmund Hillary e o montanhista sherpa Tenzing Norgay se tornaram os primeiros a chegar ao cume, em 1953, mais de 6 mil pessoas alcançaram o topo. Hoje em dia virou moda assinalar algum tipo de marco inédito na montanha - o mais velho jogador da NFL a chegar ao topo, a mesa de jantar mais alto do mundo - deixando raras proezas verdadeiramente notáveis no Everest.

“Está ficando cada vez mais difícil fazer algo excepcional nos picos de 8 mil metros porque já fizeram muita coisa, principalmente no Everest”, disse Billi Bierling, diretora administrativa do Himalayan Database.

No entanto, alcançar o cume de qualquer um dos 14 picos de 8 mil (26.246 pés) do mundo com os inóspitos e violentos ventos frios do inverno continua sendo um feito monumental. O K2, o segundo pico mais alto do mundo, ainda não tinha registrado ninguém chegando ao cume no inverno, até que finalmente sucumbiu no ano passado a uma equipe nepalesa, liderada por Nirmal Purja, conhecido como Nims, e Mingma G.

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O K2 pode ficar mais frio que o Everest no inverno, mas Purja disse por e-mail direto da Antártida, onde estava guiando uma expedição: “O Everest será muito mais difícil e perigoso porque tem quase 9 mil metros”. Krzysztof Wielicki, 72 anos, fez a primeira escalada de inverno do Everest em 17 de fevereiro de 1980, com um alpinista polonês, Leszek Cichy, depois que uma equipe de 16 alpinistas trabalhara na montanha por dois meses. “Você tem que suportar o sofrimento. É a arte de sofrer”, disse ele em telefonema de sua casa no sul da Polônia.

Apenas 15 pessoas, entre elas Wielicki e Cichy, estiveram no topo do Everest no inverno meteorológico (que começa em 1º de dezembro), quando os ventos podem chegar a 320 quilômetros por hora. Todos escalaram com parceiros, e apenas um, Ang Rita Sherpa, em 1987, escalou sem oxigênio suplementar.

Kobusch, com sua propensão para escaladas longas, solitárias e ousadas, está tentando subir ainda mais a aposta. Ele não apenas está escalando no inverno, sozinho e sem oxigênio suplementar, como também está tentando chegar ao topo do Everest pelo West Ridge, um caminho muito mais temível que as duas rotas mais comuns, utilizadas por quase 98% dos alpinistas que atacam o cume. Kobusch deve enfrentar paredes escarpadas, duras e tão íngremes quanto uma torre de igreja, além de uma ravina final de gelo, rocha e neve - chamada de ravina Hornbein - na qual poucas pessoas pisaram.

“Fazer uma rota que nunca foi percorrida no inverno é outra maneira de fazer algo pela primeira vez”, disse Bierling. “O que Jost está fazendo é muito desafiador em termos técnicos, e ele está fazendo tudo completamente sozinho. Se conseguir, vai estar no mesmo cume onde muitos outros chegaram. Mas a maneira como ele vai chegar lá - não dá para comparar, é muito diferente”.

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Escalar o Everest sozinho não é um desvio muito grande para Kobusch, é mais uma continuação de sua marca registrada. Em 2016, depois de escalar sozinho o Annapurna I (8090 metros), ele decidiu que sairia em busca de uma experiência ainda mais monástica e remota. “Outras pessoas estavam escalando a montanha no mesmo dia”, disse ele sobre o Annapurna. “Eu estava procurando o verdadeiro deserto”.

Em 2017, ele o encontrou. Kobusch escalou sozinho o Nangpai Gosum I (7320 metros), que na época era o quarto pico não escalado mais alto do mundo. “Em seguida, fui procurar aquele espaço nos picos de 8 mil metros, para o maior e mais difícil projeto que eu poderia imaginar”, disse ele. “E era bastante óbvio. Era o Everest”.

Esta é a segunda vez que ele tenta escalar o West Ridge do Everest sozinho no inverno, depois de uma tentativa inicial na temporada 2019-20. Nessa tentativa, ele chegou uma altitude de 7366 metros antes de voltar. Em ambos os casos, suas experiências solitárias foram tão diferentes quanto se possa imaginar do Everest convencional que a maioria das pessoas conhece.

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Na primavera, o acampamento base do Everest vira uma vila movimentada, estendendo-se por 2 km ao longo da geleira Khumbu. Em 2021, sua população ultrapassou 1 mil pessoas. A montanha em si é mais do mesmo. Em 2019, a última temporada de escalada não afetada pela pandemia de coronavírus, mais de 1.240 pessoas estiveram acima do acampamento base, segundo o Himalayan Database.

É “basicamente uma autoestrada” de alpinistas, disse Bierling, que escalou o Everest em 2009. Alpinistas que contratam expedições comerciais recebem a montanha servida em uma bandeja de prata, fazem filas para atravessar escadas de alumínio instaladas em fendas por equipes sherpas e sobem por cordas fixas. Os guias sherpas montam barracas para seus clientes nos acampamentos mais altos e, às vezes, até colocam sacos de dormir para eles. E quase todo alpinista usa oxigênio suplementar, até mesmo na hora de dormir.

Kobusch não quer nada disso. Ele instalou pequenos pedaços de corda, totalizando cerca de 170 metros, em vários dos degraus mais íngremes de rocha e gelo, mas, fora isso, está por sua própria conta e risco. Em contraste, na primavera, há mais de três quilômetros de cordas instaladas só na cascata de gelo de Khumbu, uma traiçoeira sequência de blocos de gelo do tamanho de casas antes do Acampamento 1.

Kobusch optou por escalar o West Ridge em parte porque considerava muito perigoso viajar sozinho pela cascata de gelo de Khumbu, a qual a rota evita. Mas ele também escolheu por causa da estética. “Para um alpinista de verdade, o West Ridge é uma paisagem mais bonita”, disse Kobusch. “É muito mais difícil, mas é mais direta. A rota do colo sul, que a maioria das pessoas usa, contorna a parte de trás da montanha. A rota que estou tomando é uma linha mais direta”.

O ponto mais alto que ele alcançou até agora este ano foi 6456 metros, em 4 de janeiro. (Um rastreador GPS mostra seu progresso ao vivo no seu website). Se ele chegar a 8 mil metros (26.247 pés), ele estará na ravina Hornbein, que pode ser a parte mais difícil da subida. A ravina é uma língua de neve íngreme e estreita de 490 metros que atravessa a face norte da montanha.

Os americanos Tom Hornbein e Willi Unsoeld fizeram a primeira subida da ravina Hornbein em maio de 1963. Nos quase 59 anos desde então, apenas cinco outras expedições a escalaram. “Olhando para trás, mesmo que estivéssemos comprometidos e determinados, também tivemos muita sorte”, disse Hornbein, 91 anos, de sua casa em Estes Park, Colorado. “Jost parece estar com a cabeça no lugar e está jogando suas cartas com um pouco de cautela. Mas ainda é um risco extremamente alto. Não tem garantia, nem dinheiro de volta”.

Wielicki concordou. “Acho que as chances são de 50 a 50, se ele tiver sorte. Se ele tiver uma janela de clima bom, é possível. Mas você precisa de sorte - e é difícil ter sorte no inverno”.

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Kobusch reconhece que suas chances de sucesso são pequenas e que talvez seja necessária uma terceira expedição no próximo inverno. “Se eu conseguir ir mais alto, vou adorar, mas ficarei feliz se chegar a 8 mil metros”, disse ele. “Ninguém nunca nem dá uma olhada na ravina no inverno. Talvez seja impossível escalá-lo. É uma viagem rumo ao desconhecido”.

Kobusch insiste que não pensa na natureza histórica de seu empreendimento, ou no que significaria se juntar a pioneiros como Hornbein, Wielicki e Purja. “Estou só tentando fazer minhas coisas”, disse Kobusch. “Quando estou na montanha, minha mente não fica vagando muito. É só um fluxo profundo, um foco profundo”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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