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Convicção abalada

Por Antero Greco
Atualização:

Os oito dias que passei na Itália, para acompanhar dois jogos em Milão, abalaram uma de minhas mais antigas convicções. Sempre fui contrário à saída precoce de jovens ídolos brasileiros, por considerar importante que façam carreira em casa, amadureçam perto de seus fãs. Agora, fiquei em dúvida. Menos por entusiasmo com os gringos; mais por decepção com o que oferecemos. Depois de conferir de novo a estrutura de Inter e Milan, estou disposto a rever conceitos. Antes, me parecia heresia o rapazola candidato a estrela lançar-se logo numa aventura europeia. Já não me soa como pecado mortal, desde que a decisão seja cercada de garantias (entenda-se evitar picaretagens), e que o moço receba cuidados e assessoria eficiente - de preferência com respaldo familiar e não de empresários ou investidores doidos por fazer dinheiro, muito e rápido. A reflexão que me induziu a ver a exportação de talentos sob outra ótica começou há algum tempo, ampliou-se na semana e bateu forte anteontem no voo de volta para casa. Instalado numa das poltronas apertadas da classe econômica que as companhias aéreas rebatizaram de comfort (e pelas quais cobram 50 euros só para que possamos esticar um pouco mais as pernas), passei a limpo o que me chamou a atenção nos dois gigantes italianos. Algo que faz pensar.O abalo desta vez surgiu no dia 1.º (e não é mentira), quando estive no Estádio Giuseppe Meazza para os treinos e entrevistas de técnicos e jogadores dos rivais milaneses, na arremate para o clássico marcado para a noite seguinte. Tudo funcionou à perfeição - da chegada dos elencos ao campo, em horários diferentes e previamente agendados, às informações sobre o duelo válido pelo Campeonato Italiano. Até o cafezinho para a imprensa era decente. (Cito isso como outro detalhe a respeito de organização. Sim, eu tinha verba generosa para comer. E comi bem. Como se fosse possível comer mal na Itália...)Nos dias subsequentes, dei um pulinho em Apiano Gentile, onde está o quartel-general da Inter, e fui atrás de Seedorf, o sonho corintiano, em Milanello, CT do Milan. Não há do que os atletas possam queixar-se de "infra" - da localização (com imensas áreas verdes em volta e isolamento) às acomodações para concentração, aparelhos para ginástica e fisioterapia. E, claro, cozinha. (Comida é obsessão italiana...)Os jogadores são cercados de mimos dignos de astros pop cheios de manha. Seedorf, por exemplo, chegou e saiu numa estica de artista de cinema. E num carrão, cuja marca não tenho a mínima ideia, com motorista particular. Mesmo assim, fez questão de parar na saída para dar autógrafos e tirar fotos com fãs. É de seu temperamento, mas lá também aprendeu a importância de atender admiradores. Sua camisa é das mais vendidas nas lojas oficiais do clube e custa em torno de 80 euros, que engrossam seu salário, pois lhe cabe porcentagem.Os times cuidam da segurança dos craques, se for preciso. Até um tempo atrás, Ibrahimovic andava com guarda-costas, porque a diretoria do Milan temia que ele fosse atacado por ter jogado na Inter. O sueco tentou abrir mão do anjo da guarda que servia à família e teve pedido recusado. Espera aí: por acaso passou na sua cabeça que eu esteja deslumbrado? Ou que me curvo ante o antigo colonizador? Se pensou nisso, se enganou. Falei de alguns símbolos de status para realçar o profissionalismo extremado dos europeus e a atenção que dispensam para seu patrimônio, os jogadores. O Schalke, time de segunda linha, mandou seu ônibus um dia antes para Milão, junto com seguranças bem vestidos e discretos. De quebra, fez reservas de avião e hotel para mulheres de alguns atletas que quiseram acompanhá-los. Simples, prático.A Europa não é o paraíso, nem o futebol de lá está livre de más influências. Tem muito aproveitador, até em instituições tradicionais. (Veja quem manda no Milan...) Mas é chocante a disparidade de tratamento que jogadores recebem nos grandes de lá e nos de cá. Há muito o que aprendermos. Enquanto isso, há muito talento a perdermos. Cada vez mais cedo.

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