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Dalilah Muhammad quer mais do que recordes mundiais no atletismo

Atleta descobriu que já simboliza algo maior simplesmente sendo ela própria, uma das mais notáveis muçulmanas americanas no cenário

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Por Redação
Atualização:

Ela deveria estar empolgada. É o que todos esperavam em julho, quando Dalilah Muhammad quebrou um recorde mundial que se mantinha há 16 anos. Mas quando cruzou a linha de chegada na corrida de 400 metros com barreiras no USA Track & & Field Outdoor Championships, ela mal comemorou. Sorriu quando foi mostrado seu tempo, depois apertou as mãos, abraçou alguns competidores e saudou o público. O recorde não era quebrado desde 2003 e  Dalilah vinha em busca dele desde que conquistou a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio. Mas agora que conseguiu, foi como ele apenas tivesse acabado de tirar os pratos da lava-louças.

Dalilah Muhammad participa da prova de400 metros com barreiras no Mundial de Doha Foto: Lucy Nicholson/Reuters

Se ela de alguma forma quebrar o recorde novamente esta semana, no campeonato mundial em Doha - avançou à semifinal nesta terça-feira -, devemos esperar o mesmo comportamento. Dalilah Muhammad, 29 anos, como disse, “não é a pessoa mais expressiva”. Na era da mídia social em que muitos atletas coreografam suas celebrações com um “toca aqui” ela tende a ser tão impassível quanto meticulosa – quanto à sua preparação, seus objetivos, as palavras que escolhe e as corridas que disputou. E embora seja muçulmana-americana não se deixa influenciar por sua religião, mesmo nestes dias politicamente conturbados, não importa o quanto isso possa aumentar sua popularidade. Na verdade, seu recorde, junto com a posição a que foi levada, causou uma estranha crise existencial.

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“Senti o enorme sentido dessa realização e pensei “meu Deus, é tão incrível”, disse ela referindo-se ao recorde quebrado dias antes de deixas sua casa em Los Angeles e partir para Doha. “Mas na verdade, a pergunta que fiz foi “e qual é a próxima? Mas mais no sentido negativo, ou seja, perguntando o que vou ter de buscar para me impulsionar agora?”

 “O que serei daqui a 20 anos? Qual será minha história? O que irei defender?" Em resumo, ela está em busca do seu objetivo. Pelo menos em um aspecto Dalilah descobriu que já simboliza algo maior simplesmente sendo ela própria, uma das mais notáveis muçulmanas americanas no cenário do atletismo global. Ela não emite suas crenças e nem as oculta. Não usa um hijab por exemplo. “Simplesmente não tenho”, disse. Mas também começou a compreender sua posição extraordinária após as Olimpíadas. As pessoas começaram a perguntar muito mais sobre sua religião, suas crenças políticas e sobre o presidente Donald Trump do que perguntam a seus pares. “Para ser sincera, nem sempre sei as respostas. E acho que, mais do que qualquer outra coisa, sou meio hesitante no caso da minha fé”. Dalilah cresceu no bairro do Queens em Nova York, onde seus pais ainda vivem. Seu pai, Askia é imã e capelão para assuntos  islâmicos no Department of Correction de Nova York. A mãe é especialista em proteção infantil. Ela tem um irmão mais velho Hassan, que é sargento do Exército, e uma irmã,  Jamilah, professora. A educação de Dalilah levou tempo. Na universidade do Sul da Califórnia, ela era uma típica americana, mas nunca recebeu diploma nacional.  Formou-se em 2012 em economia e foi lá que se colocou em 20º lugar nos testes para as Olimpíadas. Na sua primeira aparição na Diamond League em 2013, ela ainda não tinha um patrocinador, de maneira que correu usando short e uma camiseta que comprou na Ross Dress for Less.

Alguns meses depois Dalilah se colocou em segundo lugar em campeonatos mundiais, um resultado impressionante que mostrou que ela, finalmente, estava juntando as peças do quebra-cabeças. Sua carreira continuou a florescer depois que começou a treinar com Lawrence Johnson em 2015. E suas personalidades se encaixaram. “Sou um sujeito grosseiro e ela é uma pessoa sofisticada”, disse.

“Mantivemos essas conversas intelectuais sobre largura da pista, que há vento na Volta 1 ou Volta 2. Planejamos tudo isso que pode ser um fator decisivo. Muitos atletas não têm esse tipo de conversa”.

Mas houve um desapontamento quando ela e Johnson foram a Zurique para a final da Diamond League , em agosto. Johnson lembrou como Dalilah confidenciou a ele quando se encaminhou para a pista. “Vou dizer algo que você não gostará de ouvir”, disse ela. “Não sinto nada. Não estou nervosa e nem ansiosa. Só não estou sentindo nada”. Johnson entendeu que ela estava esgotada. E cansada também. Na linha de partida estava Sydney McLaughlin, 20 anos, uma estrela americana em ascensão que partiu para uma vitória imponente, e depois fez a volta da vitória no estádio num carro de luxo para em seguida avisar que provavelmente desafiaria Dalilah nestes campeonatos mundiais e no ano seguinte nas Olimpíadas.

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Dalilah terminou em terceiro e saiu depois com Johnson para uma aparição promocional em Amsterdã, onde as autoridades da Nike, uma das suas patrocinadoras, questionou-a sobre o recorde mundial. “Nós apenas olhamos um para o outro”, disse Johnson.

Dalilah disse ter passado as últimas semanas trabalhando para retornar à forma e seu ímpeto. Ela ainda tem grandes objetivos. Quer conquistar seu primeiro título mundial depois de conseguir o segundo lugar em 2013 e 2017. E quer ser a primeira mulher a correr em menos de 52 segundos e estabelecer outro recorde mundial. Ela e Johnson tinham pouca dúvida de que o apetite retornaria, e talvez já esteja aí.

Johnson disse que Dalilah estava “num lugar melhor” quando se preparava para campeonatos mundiais. A atleta disse que está planejando competir nas Olimpíadas de 2024, em Paris. E depois disto?  Ela admite que vem pensando em sua carreira pós-competição, mas não sabe o que sucederá. Gostaria de continuar envolvida nas corridas. Mas acha que pode ajudar a próxima geração a enfrentar um sistema que não é sempre fácil ou lucrativo. Mas ela é uma pessoa metódica e às vezes leva algum tempo para encontrar as peças certas. “Ainda estou averiguando”, disse ela.Tradução de Terezinha Martino  

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