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Deixa o Marcos falar!

Boleiros

Por Antero Greco e antero.greco@grupoestado.com.br
Atualização:

Autoritarismo é como vulcão adormecido - quando menos se espera, dá o ar da desgraça. Pode ser na forma de fumacinha (uma advertência, um puxão de orelhas), que deixa todo mundo em volta à espreita de mal maior. Pode também vomitar uma erupção devastadora, que em geral atinge a liberdade, sobretudo de expressão. O futebol é pródigo em manifestações restritivas. Conservador, machista, metido a besta, eis terreno fértil para atitudes reacionárias. Pode reparar como não faltam professores, suas excelências, doutor Fulano, doutor Sicrano e outras reverências à otoridade. É um universo cheio de falsidade, mas aparentemente todo certinho, organizado. Tá bom, não muito diferente de qualquer atividade de nosso dia-a-dia. Como cresci em tempos bicudos, repressivos, em que havia "subversivos" em cada esquina, tenho urticária ao trombar com tentativas de censura ou incentivos ao "pulso forte". Mas nos últimos dias o danado do vulcão autoritário mostrou que está vivinho da silva. O sinal mais evidente foi o cala-boca que Marcos recebeu, mais uma vez, por ter dito o que pensa. Você lembra? Após a derrota ridícula do Palmeiras no clássico com o Fluminense, o goleiro criticou a postura do time, deu a entender que algo não ia bem e considerou justa a queda na tabela. Pronto, as declarações provocaram caretas em alguns jogadores do elenco e serviram para Vanderlei Luxemburgo dar uma pisa, como dizia minha querida tia Giulia, no capitão palestrino. O treinador alegou que Marcos não poderia ter agido daquela forma e que deveria também assumir sua parcela de culpa no resultado. Avisou, ainda, que não vai tolerar mais esse tipo de comentários em público. De quebra, sugeriu que os jogadores precisam fazer mídia training, uma técnica bacaninha que ensina o sujeito a ser dissimulado com a imprensa e a driblar perguntas... Mas Marcos não fugiu da responsabilidade nem tirou o corpo fora. Como não é despreparado, nem medroso, apenas saiu do lugar-comum da maioria de seus companheiros e falou o que sentia. Marcos costuma falar o que o torcedor, na arquibancada e em casa, também sente. A prova de que o público deseja gente de brio surgiu anteontem, no Parque Antártica. Símbolo em extinção de fidelidade à camisa, o goleiro pentacampeão do mundo foi o mais aplaudido quando o time entrou em campo. Por isso, também, é admirado por outras torcidas e por rivais. Entendo o desejo de Luxemburgo de preservar a unidade de seu grupo de trabalho, de evitar rachas, ainda mais num momento tão delicado do campeonato. É papel dele. Mas, com a experiência que tem, com a pretensão de se mostrar à frente de seus colegas em idéias e propostas, pode fazê-lo sem tolher a discussão, o debate, a livre manifestação de opinião. Ele e o futebol ganharão com isso. O futebol precisa de mais Marcos e de menos "tudo fazeremos pelos três pontos"... Mais chato é ver, em certos meios de comunicação, gente (boa e séria até) melindrada com qualquer discussão entre jogadores. E que aplaude o juiz, se mostra cartão vermelho ao menor empurrãozinho. Se o árbitro é bom, combate pra valer a violência, a dividida maldosa, o carrinho criminoso, a cotovelada covarde. Isso sim. Mas dá desconto para bate-bocas que parecem mais manha de garotos. Quer saber? Estrela é o jogador, não o juiz. Vamos acabar com esse negócio!, como dizia o comediante Lilico.

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