Dupla de durões no vôlei de Pindamonhangaba

João Marcondes dirige time que tenta sobreviver na elite e conta com a ajuda do polêmico Ricardo Navajas

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Por Alessandro Lucchetti
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A chuva de verão castiga o modesto Ginásio Juca Moreira, que tem capacidade para mil torcedores. João Marcondes, o técnico do Funvic/Mídia Fone, de Pindamonhangaba, percebe que uma goteira no teto de zinco dá origem a uma pequena poça. "Vou ter de pagar uma multa por isso", constata, sorrindo.O treinador poderia se aborrecer por causa da multa, mas em vez disso se orgulha por ter dinheiro para pagá-la. Membro da comissão técnica de Suzano nos anos em que a cidade se orgulhava de ser a "Franca do vôlei", João não esmorece no comando do lanterna da Superliga. E é fácil entender o motivo. Depois de trabalhar num clube que faturou três títulos nacionais e dez do Paulista, ele experimentou o lado B da Superliga no comando de um time de Cuiabá, na temporada 2009/10."Treinávamos numa quadra de vôlei de praia, sob um sol de 40 graus. A rede ficava abaulada no meio, e então só atacávamos nas beiradas, nas quais a altura era correta."O drama só se encerrou quando uma autorização permitiu que o time treinasse no luxuoso Ginásio Aecim Tocantins. "Ficamos no meio de um fogo cruzado entre a prefeitura e o governo do estado. Ambos queriam faturar politicamente em cima do time de vôlei."Os treinos na areia tinham um agravante. "Não podíamos atacar muito forte. Tínhamos seis bolas apenas. Quando a bola caía na casa de uma vizinha da quadra, ela não devolvia de jeito nenhum", lembra o ponta Luís Fernando, que participou da aventura no Mato Grosso e está em Pinda agora.No dia da estreia, os jogadores se prepararam para entrar em quadra com camisetas brancas, com os números escritos com caneta hidrográfica. "Os uniformes chegaram ao vestiário cinco minutos antes de subirmos para a quadra. Foi um desespero", relata João.A triste experiência quase afastou João do vôlei. Depois de encerrado o trabalho, desgostoso, ele tratou de arrumar um emprego num curso de inglês que patrocinou seus times por nove anos. Mas ensinar inglês não era sua vocação, e resolveu abraçar um projeto em Pinda, que começou bem por baixo, na Segunda Divisão (Especial) do Campeonato Paulista, em 2010.A tendência, segundo ele, é que Pinda escape do rebaixamento (o 12.º e último da Superliga disputará a Série B) e atraia mais patrocinadores. "Já vivi o luxo e o lixo do vôlei. Em Suzano, tivemos aquele que talvez tenha sido o maior patrocinador da história do vôlei brasileiro, o Papel Report. Chegamos a ter Dante, Escadinha, Ricardinho, Rodrigão... Mas cabe lembrar que nosso primeiro patrocinador foi uma agência funerária. De certa forma, nós desenterramos o vôlei."O temperamental Ricardo Navajas, parceiro de João por 28 anos, decidiu exercer o cargo de supervisor em Pinda. Em vez de treinar e despejar broncas, ele se fecha numa pequena sala. Depois de somar as despesas do time no mês numa calculadora, começa a desabafar. Segundo ele, não há mais espaço no vôlei brasileiro para técnicos com o seu perfil. Ele foi diretor de futebol do Santo André, que chegou a ser vice-campeão paulista em 2010, e do Guaratinguetá, um trabalho que não o empolgou. "Hoje os jogadores querem caras legais como técnico. Está tudo na mão do atleta. Estão levando a vida do jeito que querem, treinando pouco. Como não são exigidos, têm uma velocidade de absorção baixa. Os jogadores estão demorando demais para amadurecer. O treinador rígido e que fala num tom mais áspero pode ser derrubado."O último suspiro do linha-dura na quadra foi o trabalho que levou a Venezuela à Olimpíada de Pequim. "Encontrei o vôlei venezuelano numa situação péssima. O teto do ginásio estava caindo. Entravam pombos que defecavam na nossa cabeça. O piso estava solto e a seleção tinha uns jogadores velhos e gordos, que eram amigos do presidente da federação. Mudei isso tudo. Ganhamos da Argentina na casa deles e nos classificamos para a Olimpíada."João concorda que o estilo de comando mais severo, que fez sucesso em Suzano, hoje não se aplica mais. Ele abrandou seu jeito de dirigir, mas frisa que não faz certas concessões. "Não sou de 'churrasquear' jogador. Não faço churrasco. Temos de escolher se queremos fazer o time jogar em alto nível ou se queremos ser amigos dos jogadores. Eu quero o alto nível. Que tenham raiva de mim, mas que joguem."Correspondendo a esse alto nível de exigência, o ponta Sérgio Félix, de Pinda, é apontado como a mais grata revelação desse trabalho. Aos 22 anos e com 1,97m, Félix aparece nas estatísticas da Superliga como o quarto melhor sacador. "Ele tem força física, um grande potencial de ataque e uma verdadeira patada. É a nossa aposta. Se um menino desses vaza para a seleção, sentiremos que tudo terá valido a pena", emociona-se João.

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