
13 de abril de 2011 | 00h00
Muricy Ramalho também tem mostrado esse realismo quando perguntado a respeito do Santos. Ele diz que nada tem a dizer para Elano, Ganso e Neymar além de palavras de entusiasmo, para que joguem o que sabem e se concentrem nisso. No máximo, pode orientar Ganso a jogar atrás da linha de atacantes, de onde pode distribuir o jogo e ainda chegar à área para finalizar. Mas não o fará acertar ou errar cada chute, passe e drible. O que lhe cabe como técnico é dar um contrapeso à vocação do elenco (parem com essa história de DNA!) de atacar com velocidade e organizá-lo quando está sem a bola, para ficar menos exposto a contra-ataques. É isso, nada mais. Dá trabalho, exige experiência e ascendência, etc. Mas quem joga é jogador.
Amanhã, diante do Cerro Porteño, lá no Paraguai, o time da Vila corre grande risco de bater à porta da desclassificação da Libertadores. Sem Elano, o time perde a qualidade da transição; sem Neymar, perde a possibilidade do brilho individual que caracteriza os craques. Ganso sem os dois já sofreria bastante; jogando como tem jogado nas últimas partidas, dificilmente vai voltar com a vitória. Parece avoado em campo, pensando nos contratos que lhe oferecem. Essa história de passar um semestre no Corinthians é patética. Vamos supor que dê certo e ele ganhe o Brasileirão e se torne ídolo da Fiel. Vai embora no dia seguinte? Isso lembraria uma classe nada classuda, a dos políticos que adotam legendas de aluguel para se eleger. Ganso precisa mostrar fora de campo a classe que mostra dentro.
Esse é o termo, classe. Como Falcão e Guardiola quando jogavam, Ganso tem a capacidade de achar atalhos antes dos outros e realizar com poucos gestos o que sua mente diagrama. Não há nada mais em falta no futebol atual, que mais parece um "trombabol", um esporte de trombadas, um futebol americano. Vendo os medíocres jogos do fim de semana do Paulista, reparei como em alguns lances em que a bola está a meio caminho os dois jogadores saem correndo preocupados em lançar o corpo para derrubar o outro - e, enquanto isso, a bola fica abandonada, ali no chão, coadjuvante, coitada. Alguns craques em potencial, como Neymar, decidem usar isso para cavar faltas e irritar o adversário, esquecendo de brincar a sério. Todos os grandes, de Pelé a Messi, sabem usar o corpo para se proteger e seguir em pé - mas querem jogar, não brigar.
Nem preciso dizer que estou integralmente do lado de Ganso e Neymar, como de Lucas e outros jovens talentos que têm sido perseguidos por atropeladores implacáveis. Ou desse Guilherme, atacante da sub-17, que fez contra a Argentina um legítimo gol de classe: dominou no peito e bateu de sem pulo, com a esquerda, por baixo da bola, encobrindo conscientemente o goleiro. Um jogador comum tentaria o passe; um bom jogador deixaria a bola cair e tentaria passar no meio dos zagueiros; só um jogador inspirado faria o que esse menino fez. Aí está o Brasil, campeão da sub-17 e da sub-20 e com número admirável de opções para chegar a 2014 com mais criadores que destruidores. "Grace under pressure", dizia o mote do escritor e esportista Ernest Hemingway. Podemos adaptar para os meninos brasileiros e sugerir: "Classe contra trombada".
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