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Ele sabe que vai cair

Por Ugo Giorgetti
Atualização:

Ele sabe que vai cair. Sabe, agora, o que todos sabem. Jogadores, dirigentes, imprensa, torcedores, até sua mulher sabe que ele vai cair. Se pergunta, às vezes, em que momento isso começou. Sim, porque há sempre um momento, um jogo, uma substituição que não deu certo, uma partida quase ganha e que de repente terminou empatada, um detalhe quase esquecido. Ele revisa cuidadosamente o que se passou nos muitos jogos em que esteve à frente do time, à procura de seus erros. Não consegue chegar a nenhuma conclusão. Podia ser tanta coisa. Se tivesse feito isso ao invés daquilo. Lembra-se de que numa partida um auxiliar lá da arquibancada murmurou alguma coisa pelo celular que ele, com o barulho da torcida, não entendeu bem, e pra falar a verdade não deu muita atenção. Quem sabe não seria aquele comentário perdido, aquela opinião nunca escutada o que mudaria o jogo, e sua vida? Mas isso não tinha importância agora, agora que ele sabia que estava condenado. Ninguém tinha dito nada, ainda. Os dirigentes continuavam afirmando que seguiam com ele. Sabia, porém, que era uma ilusão. Sentia-se como um doente, cuja doença é conhecida por todos, mas que todos fingem ignorar. Ninguém diz nada frontalmente. Mas ele identifica olhares às vezes de piedade, às vezes irônicos e vingativos, e também olhares neutros, que o examinam sem expressar nada, apenas uma curiosidade quase científica, em ver como tudo aquilo vai terminar. Foram as derrotas, claro. E um título que não veio, evidentemente. Mas por que não soube evitar outras derrotas, quando a primeira aconteceu? Será porque já estava misteriosamente perdido? Queria ter o dom quase animal, o instinto que têm os jogadores de sentir, primeiro que qualquer um, que o técnico vai cair, haja o que houver. E aí começa o fim. A primeira derrota grave foi apenas o sinal para que ele também se desse conta. A partir do momento em que até ele finalmente percebeu, não foi possível fazer mais nada. É uma questão de tempo. Ele ainda não caiu. Ainda há a próxima partida. Mas essa próxima partida vai alterar as coisas? Ele tinha suficiente vivência no futebol pra saber que não. Não vai alterar nada. A condenação já tinha sido decretada, uma partida ganha iria apenas adiar o desenlace. Jogadores talvez não derrubem técnicos. Jogadores só sentem que o técnico está condenado e, também eles, só aguardam o fim. Não podem fazer nada. Acompanharam os problemas, dirigentes de cara amarrada, cochichos nos cantos, comentários venenosos, o nome de outro treinador casualmente mencionado para a imprensa. Ficaram indecisos entre ajudar o "professor" ou não fazer nada "pra ver como é que fica". Eles também estão angustiados e inseguros; por isso não ganham. Quem virá? Os jogadores que ele prestigiou tremem de medo, os que ele vetou em silêncio esperam. Ninguém mais joga. As pernas estão presas. Ele entra no vestiário para dar a preleção e sente que pode ser a última. O que dizer? O que falar para os jogadores, além do que já falou tantas vezes sem nenhum resultado? Eles olham esperando, também eles, a repetição das costumeiras palavras. Ninguém fala. Todos têm a cabeça um pouco baixa. Dentro em pouco eles vão entrar em campo. Alguns pensam que estarão jogando por ele, outros não sabem bem o que fazer. Todos provavelmente vão jogar mal. Ele sabe que vai cair.

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