Entendo o mau humor do Muricy

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Por Ugo Giorgetti
Atualização:

Durante a semana ouvi vários comentários sobre o mau humor de Muricy Ramalho. Jornais noticiaram a forma brusca com que respondeu perguntas e nos programas de tevê também foi mencionada sua maneira impaciente de tratar jornalistas. Como ninguém aventou nenhuma explicação para o procedimento, que está se tornando habitual, do conhecido treinador, decidi lançar a minha. A primeira explicação do mau humor é fácil e não vou me alongar sobre ela. Trata-se da qualidade das perguntas: se não há o que perguntar, por que perguntar? Por que repetir as mesmas perguntas de uma obviedade alucinante, e que, por isso mesmo, impedem qualquer resposta minimamente inteligente? Mas esse é apenas um dos fatores que contribuem para o mau humor do Muricy e penso que seja o menor. Imagino que o que o incomoda mesmo são outras coisas. Primeiro o que vê dentro de seu próprio clube, as pressões que recebe, porque parece que muita gente no São Paulo acha a possibilidade de uma derrota inteiramente fora de questão por princípio. Vencer qualquer jogo, para essa gente, é perfeitamente natural, como se o São Paulo tivesse uma espécie de direito divino à vitória, e perder uma partida fosse algo monstruoso, contra a natureza da coisas. Essa arrogância, que faz com que até um simples empate num clássico levante protestos e mais protestos, incide sobre o trabalho do treinador, que se vê obrigado a ganhar e ganhar e ganhar. E essa situação é tanto mais penosa para um treinador que tem a apresentar unicamente o seu trabalho. Se o que acontece no seu clube já é o bastante para atingir o humor de Muricy, acho que fica pior ainda quando ele olha para outros clubes. Isto é, quando pensa para onde poderia ir, se deixasse o São Paulo. Daí percebe que sua solidão é quase total: quando vê o que o espera em clubes que se inclinaram completamente diante das forças do que erroneamente se classifica como marketing. Marketing, mercado na nossa pobre língua, sempre existiu desde o início das primeiras associações humanas, é anterior ao capitalismo, e a maneira de encarar seus desafios é parte central da história dos homens. Marketing, em si, não tem nada a ver com esperteza menor, com estratagemas obscuros, com histórias mal contadas para a imprensa, com o lançamento de factóides para iludir a torcida, com o total desprezo pelas tradições de um clube por maior que seja, com associações com empresas predatórias, com imbróglios tremendos envolvendo sem o menor cuidado os sonhos e a vida de gente muito jovem e despreparada. Muricy nunca foi acusado de nada, a não ser na sua função de treinador. Nunca teve seu nome ligado a fatos estranhos, nunca um único jogador o acusou de procedimento discutível ou perseguição, nunca participou de qualquer negociação com empresas, nem tomou partido na política interna de lugar nenhum, nunca fez média com jornalistas ou quem quer que fosse. Muricy não deve ser muito bem visto no meio do "marketing", onde essas qualidades não são exatamente apreciadas. E paga o preço por isso. Não é o que ganha mais e, reconhecimento, quando vem, chega unicamente por justiça. Acho que, apesar de ser visto como o melhor treinador do Brasil, às vezes sente que seu espaço, e de outros como ele, ao invés de aumentar parece diminuir. É ou não alguma coisa para acabar com o humor de qualquer um?

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