Cavalos de corrida costumam sofrer vários tipos de lesões. As mais comuns são aquelas do sistema locomotor, como fraturas ou ruptura dos tendões. Também são frequentes problemas pulmonares, pois os animais têm de alcançar velocidades de 60 km/h desde muito jovens. Depois das lesões, mesmo que ainda possam ser utilizados em outras atividades fora das pistas, muitos cavalos são abandonados ou submetidos à eutanásia, o popular “sacrifício”.
A questão é tão importante que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, órgão que regulamenta o turfe no Brasil, vai obrigar os jóqueis clubes a registrar os casos de mortes e doenças dos seus cavalos.
Para minimizar o problema, entidades formadas por médicos veterinários, como a “Cavalo Sem Sela”, procuram conscientizar os tratadores e proprietários, mostrando que os animais lesionados podem ter uma sobrevida em outras atividades, como equitação ou equoterapia. Além disso, essas entidades trabalham pela doação responsável dos cavalos contundidos e evitam abandono, negligência e maus tratos.
Na semana passada, a entidade começou a oferecer palestras sobre o tema no Jockey Club de São Paulo, o pioneiro nas ações de educação e conscientização sobre eutanásias que podem ser evitadas.
Não existem estatísticas oficiais sobre o tema. A “Cavalo sem Sela” participou direta ou indiretamente do tratamento e doação de cerca de 30 animais nos últimos cinco anos. O próprio Ministério informa que está levantando as informações.
Existem casos em que a eutanásia é justificável. As fraturas, por exemplo, são casos complexos. O animal não entende que não pode apoiar o membro no chão. Além disso, a imobilização tem de levar em conta que os cavalos pesam até 400 kg.
O trabalho das entidades está baseado no bem-estar animal, nova área do conhecimento que estuda a qualidade de vida dos animais de maneira abrangente, do ponto de vista físico, emocional e psicológico. É uma área ligada à medicina preventiva com uma premissa simples: em condições de bem-estar, os animais desenvolvem melhor suas atividades. Há indicadores científicos para a avaliação do bem-estar, como os fisiológicos (condição corporal), os bioquímicos (enzimas e hormônios do estresse) e os imunológicos (doença, lesões e dor).
“Existe uma forte tendência mundial, baseada em conhecimento científico, que busca ampliar a consciência das pessoas sobre os direitos dos animais e o que eles representam na sociedade”, comenta Daniela Gurgel, médica veterinária e consultora em bem-estar animal. “Essa é uma questão nova. A tese de que os animais são seres sencientes, ou seja, têm capacidade neurológica de vivenciar experiências positivas e negativas, foi confirmada em 2012 pela Declaração de Cambridge ”, explica Daniela.
A busca do bem-estar animal tem relação direta com as corridas de cavalo. Um dos problemas mais comuns nos hipódromos, por exemplo, é o estresse térmico, ou seja, cavalos sentem calor. Esse desconforto térmico pode influenciar nas corridas. “Está cientificamente comprovado que cavalos jovens saudáveis correm por mais tempo e ganham mais corridas”, explica Laura Pinseta, médica do Hospital Veterinário do Jockey Clube de São Paulo e representante da Cavalo Sem Sela. “O turfe precisa oferecer respostas éticas, que contemplem o bem-estar animal, para resgatar o seu prestígio”, opina.
Ministério define novas normas
No ano passado, o Ministério da Agricultura auditou oito jóqueis clubes, o que representa aproximadamente metade das entidades autorizadas a funcionar no Brasil. O órgão publicou a portaria número 219 que determina “ações de modernização, fomento e fiscalização de assuntos de viabilidade técnica e econômica dos hipódromos”. Em termos práticos, para continuarem explorando apostas sobre corrida de cavalos, os jóqueis terão de elaborar um plano de boas práticas para garantir, no mínimo, boas condições de nutrição, alojamento, saúde e até para expressão dos comportamentos naturais dos animais. O prazo de adequação dos jóqueis é de 365 dias, que serão contados a partir da publicação das novas diretrizes.
A pedido do Estado, o Ministério da Agricultura detalhou as medidas que serão adotadas sobre a eutanásia – prática adotada quando o cavalo se machuca. “Na proposta normativa há previsão de que os jóqueis clubes monitorem e registrem os casos de morbidade (doenças) e mortalidade do plantel, com o objetivo de gerar dados para gerenciar e constantemente reduzir esses índices”, informa o ministério por meio de nota.
A eutanásia nos casos em que os animais podem ter sobrevida tem relação direta com os custos do tratamento. O valor médio de uma cirurgia é de R$ 15 mil no Brasil. Mesmo operado, o animal pode nunca mais recuperar o desempenho original. Dados do IBGE apontam uma população de 5 milhões de equinos no País.
A médica veterinária Samantha Korbivcher, que também atua na entidade Cavalo Sem Sela, formada por profissionais que buscam o bem-estar animal, avalia que a eutanásia é uma prática histórica na sociedade brasileira, transmitida de geração para geração, e que foi tida como “natural” nas últimas décadas. “A mudança também precisa ser cultural. É preciso quebrar esse paradigma”.