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Escaladores superam antigos tabus

Por Agencia Estado
Atualização:

Dez dias sem tomar banho, subindo o paredão de uma montanha com 140 quilos de bagagem para carregar. Calores insuportáveis de dia, noites de cerca de 10 graus negativos. Dois homens sem qualquer diversão, comendo pouco, nenhum conforto, e o pior, sem câmeras de tevê para acompanhar o feito. Masoquismo? Pode ser, mas a melhor explicação é outra: tem louco para tudo. Márcio Bortolusso garante ser perfeitamente normal, apesar de escalar há mais de uma década e, entre julho e agosto, ao lado do mineiro Chander Cristian, ter chegado ao topo, pela primeira vez na história, da face leste do Pico dos Marins, com 2.421 metros de altitude, localizado na Serra da Mantiqueira, entre São Paulo e Minas Gerais. Bortolusso explica que a face leste era um dos maiores tabus do montanhismo nacional, mas se mantinha intocada devido ao difícil acesso às suas bases, composto por ?perigosos penhascos, gretas e uma impenetrável vegetação?. Fotógrafo profissional, ele aproveita as escaladas para registrar suas aventuras. Bortolusso conta que a paisagem da Serra da Mantiqueira é deslumbrante, principalmente no nascer e no pôr-do-sol. O problema é que sobrava pouco tempo para contemplá-la. Tinham pela frente um desafio próximo do desumano. ?O frio era tanto que logo percebemos que estávamos na maior roubada de nossas vidas.? Não é exagero. O escalador emagreceu mais de 5 quilos em 10 dias (7 nas paredes e 3 para chegar à base da montanha). E não foi só isso. Voltou para casa coberto de ferimentos, nas mãos principalmente. ?A quantidade de sujeira acumulada formava uma gosma que acreditamos ter colaborado com a inflamação das feridas. Durante as primeiras horas do dia, a dor era enorme.? A sujeira e as variações do clima por pouco não os fizeram desistir. ?O ruim era que a gente chegava a colocar três calças e quatro casacos para passar a noite, para agüentar o frio. Aí, quando amanhecia, como nem sempre tinha como trocar de roupa, suávamos excessivamente por causa do calor. Me sentia muito sujo.? Detalhe, óbvio, mas necessário: na montanha não existe chuveiro; eles ficaram, portanto, impossibilitados de tomar banho. Outro detalhe: escovar os dentes, quando escovavam, era com a menor quantidade de água possível. E as necessidades fisiológicas? Para isso (lá também não havia banheiro), usavam uma espécie de tubo de PVC (tube shit) para armazenar o que a natureza os obrigou a fazer. A preocupação de não sujar as montanhas tem uma razão. Ecologia é uma regra que seguem religiosamente e tentam transmitir às populações que encontram por onde passam. Voltando ao martírio, ou melhor, à aventura. ?A escalada parecia não render, pois precisávamos nos revezar entre a ascensão e o trabalho de arraste do barril (140 quilos de escassos alimentos, água, roupas, o tal tubo de PVC e equipamentos de trabalho)?, diz Bortolusso. A diversão já não existia. ?Os nossos planos iniciais de subir sem pressa, curtindo cada momento, já haviam sido abandonados há dias e não víamos a hora de sair de lá.? Pela conquista, Bortolusso não recebeu um único centavo como prêmio. As ajudas vieram de patrocinadores como as empresas Half Dome, Lanex e Singing Rock. ?O que mais interessava era superar meus próprios limites e realizar um antigo sonho pessoa?, justifica.

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