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Euforia se espalhou pelas ruas há 39 anos

Torcedores relembram a festa que tomou a cidade com o tri da seleção

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Por Fabio Vendrame
Atualização:

"Eu hoje/ igual a todo brasileiro/ vou passar o dia inteiro/ entre faixas e bandeiras coloridas (...)/ Companheiros, vamos todos cantar a vitória/ pela raça ficamos com a taça/ de melhor entre os mais./ Minha gente, a distância não tem mais sentido,/nosso grito de gol é ouvido/ pelo chão, pelo mar (...)/ Torci, sofri/ mas, afinal, ganhei do mundo!/ Sou tricampeão do mundo! Eu sou, eu sou..." Cada vez que se lembra daquele domingo friorento de junho, Cláudio Bertoni põe o compacto para rodar na vitrola. Sua memória viaja com a canção dos irmãos Marcos e Paulo Sérgio Valle gravada pelos Golden Boys em homenagem à Copa do Mundo de 1970. "A primeira que acompanhei inteirinha, sem perder nada", conta o artista plástico, hoje com 55 anos. Há 39 anos, brasileiros e italianos decidiam a hegemonia do futebol. As seleções chegaram à decisão, no Estádio Azteca, na capital do México, com dois títulos mundiais cada. O curioso é que, depois daquele 21 de junho, tanto uma como a outra voltariam a comemorar mais duas conquistas - a Itália, em 1982 e 2006; o Brasil, em 1994 e 2002. Naquela data, contudo, a festa foi tão somente verde-amarela. A exemplo de Bertoni, então com 15 anos, centenas de milhares de brasileiros foram às ruas celebrar o tricampeonato, a posse definitiva da Taça Jules Rimet, o futebol-arte, enfim, depois de muito tempo o povo voltou a sentir orgulho de bater no peito e cantar "Todos juntos vamos, pra frente Brasil, Brasil..." A euforia tomava conta das cidades brasileiras. Eram, finalmente, "90 milhões em ação". Em São Paulo, o adolescente Bertoni ficou boquiaberto com aquele caminhão cheio de mulheres sobre a carroceria, com a camisa dos clubes da cidade, puxando o corso pela Joaquim Floriano. "Era inédito, nunca havia visto nada parecido", recorda-se. Elas dançavam ao som dos alto-falantes instalados no chassi, a reproduzir as marchinhas da Copa. "Deve ter sido o embrião do trio elétrico." A poucas quadras dali, em Santo Amaro, a família de Rivellino havia comprado três televisores, um deles a pilha, para não correr o risco de perder nenhum lance da Copa. A confiança na conquista do tri era tamanha que a casa toda foi reformada, sob a inspiração de recepcionar o novo campeão mundial. Deu certo, o Brasil vencera a Itália. As ruas ficaram cheias. Tomadas de euforia desregrada, desenfreada, libertadora. A redenção de uma gente que sobrevivia à pior fase da ditadura. "Vivíamos numa pressão terrível, mas não sabíamos o que havia por trás", diz Bertoni. "E aquela seleção não merecia ser manchada com isso. Não foi." Algo além das radiantes meninas sobre capotas de carros e carrocerias de caminhões encheu os olhos de quem festejava a conquista. Por toda a cidade, balões forravam o céu. Em cores, formatos e tamanhos variados. "Naquele tempo, os balões eram uma coisa romântica", diz Mário Gutierrez Sobrinho, de 60 anos. "O ritual, a cada jogo, era soltar fogos de artifício e balões. Além de muita cerveja." De tanta bebida, a alegria de Marião - como é conhecido o "cineasta da Vila Monumento", conforme ele mesmo se define - ficou completamente encharcada. "Foi minha primeira amnésia alcoólica", conta ele, que chegou em casa às 14 horas da segunda-feira. Descamisado, descalço e sem o atabaque que levara consigo e a turma de amigos para a Avenida Paulista. "Loucura total. Não era comum comemorar na Paulista. Naquele dia, até onde posso me lembrar, foi ali que vi o atabaque da minha vó pela última vez", lembra, às gargalhadas. "Perdi sapatos e camisa, mas a carteira ficou no bolso. Ninguém me roubou." Carreatas, gente nos passeios, batuque, violão, cachaça, o que houvesse à mão. Talco e farinha tampouco faltavam (era costume um atirar pó no outro). Foi assim por toda parte. "A grande festa foi na Rua Augusta", diz, aos 64 anos, Manoel de Melo Montenegro Neto. O economista, que vive hoje em Brasília, morava perto da famosa rua paulistana quando festejou o tri com dois amigos e a mulher. Tinha se casado havia um mês. "Tenho a TV que comprei para ver a Copa até hoje. É a minha relíquia de 70." A FESTA EM SÃO PAULO O pronto-socorro do Hospital das Clínicas atendeu a 103 casos e mais de 20 comas alcoólicos. Duas pessoas morreram. A Radio Patrulha recebeu 657 chamados. Na Rua Augusta, duas toneladas de papel picado foram atiradas pela janela de um cursinho. A PM colocou 7 mil homens nas ruas. Orientações: evitar subir no carro, dirigir bêbado e usar revólver em vez de fogos de artifício. As escolas transferiram os exames marcados para segunda-feira porque sabiam que os alunos não iriam comparecer mesmo.

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