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Ex-sem-teto tenta a vida no atletismo

Por Agencia Estado
Atualização:

Há cerca de seis anos Tia Punk foi se distrair com amigos moradores sem-teto na Rua 7 de Abril, centro de São Paulo. Na tevê do bar, o filme Carruagens de Fogo contava a história dos participantes da primeira Olimpíada da Era Moderna. Depois, animada, viu uma propaganda da São Silvestre. Então virou para os colegas e disse: "Vou fazer isso aí." A risada foi geral. Afinal, para quem passou 18 anos na Febem, mais 17 nas ruas, mal tinha o que comer, vivia de pequenos roubos e era viciada em cola de sapateiro, ser atleta era coisa inatingível. Mas ela desafiou: "Aposto que eu consigo." Os companheiros aceitaram a aposta e fizeram o esperado dentro daquela realidade: roubaram um par de tênis, short e camiseta. Este momento transformou Tia Punk na atleta Ana Luiza Garcez, a Animal. Tia Punk levou a sério os "presentes" que ganhou. Se inscreveu na São Silvestre e estava na Paulista no dia 31. "Nem lembro que ano foi. Esse negócio de droga deixa a cabeça da gente meio fraca", admite. Mas ela não esquece da dificuldade de completar o percurso. "Quase morri. Cheguei me arrastando", lembra. "Aí peguei a medalha e dei para meu amigo Dentinho: ?Toma aí. Você não duvidou??" A lembrança é dolorosa e as lágrimas escapam. "Ele morreu anos depois, assassinado." Mas Ana Luiza não parou por aí. Sua inusitada história ganhou espaço na tevê e o então secretário municipal de Esportes, Fausto Camunha, viu e propôs que ela vivesse no Centro Olímpico do Ibirapuera. Era a segunda chance de emprego que tinha desde que havia deixado a Febem com 18 anos. "Quando saí de lá fui trabalhar de doméstica, mas como sabiam que não tinha para onde ir não me pagavam", lembra. "Aí eu roubei as coisas da casa e distribuí para o povo na rua." Mas a segunda chance foi diferente para Ana Luiza, que, por seu jeito agressivo, resultado dos anos que viveu na rua, lhe renderam o apelido de Animal. Enquanto aprendia sobre atletismo, ajudava nos treinos dos adolescentes e "passava exemplo" para jovens. "Tirar alguém das ruas, do vício, é difícil, mas acho que consegui evitar que alguns caíssem", diz. Mas o final feliz não foi eterno. "A Paula me tirou de lá. Fiquei sem emprego. Ameacei ela e consegui ficar morando lá", disse Animal fazendo referência à ex-jogadora de basquete Paula, que administrou o Centro Olímpico. A corredora admite que uma recolocação é difícil. "Mal aprendi a ler e escrever na Febem, tenho 41 anos e minha cabeça não funciona legal por causa dos anos nas drogas", admite. "Então vou me virando, vivo do dinheiro que ganho nas corridas e ?faço rolos? com as minhas roupas." Este ano, Animal chegou em 52.º lugar na São Silvestre. Pelo feito, ganhou um prêmio de incentivo na solenidade dos vencedores da São Silvestre.

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