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Fim de uma era

O problema da Portuguesa é o descompasso com sua época. É ser rejeitada e nada poder fazer

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colunista convidado
Por Ugo Giorgetti
Atualização:

Essa expressão é usada, super usada e mal usada. Topo com ela a toda hora. Quando não se sabe como classificar um acontecimento que parece encerrar um ciclo qualquer, lá vem a expressão “fim de uma era”.  Por mais antipática que me seja a expressão, finalmente me vejo obrigado a utilizá-la. Porque é a única que me ocorre quando penso na Portuguesa de Desportos. De fato, a Portuguesa personifica realmente o fim de uma era. Que era é essa? Para simplificar, é o longo período em que o futebol não foi mais do que um esporte. Parece incrível pensar que esse tempo já existiu. Mas se for examinada a trajetória da Portuguesa vai se comprovar facilmente esse fato. Num mundo em que não era imprescindível ter uma torcida contada em milhões, num mundo em que não havia empresários, agentes e patrocinadores, num mundo em que um clube exercia uma função social de reunir pessoas que tinham algo em comum para o convívio em torno do campo de futebol, da quadra ou da piscina, a Portuguesa era um clube grande e respeitável.  Não me venham dizer que o problema da Portuguesa é péssima administração e dirigentes pouco “transparentes”, para usar outra expressão detestável. Isso todos os clubes de futebol, grandes e pequenos, têm. É perfeitamente comum assistir a administrações horríveis, de honestidade mais do que contestada e, no entanto, esses clubes nunca ficam à beira da dissolução. O problema da Portuguesa é o descompasso com sua época. É ser rejeitada pelo seu tempo e nada poder fazer para modificar a situação. É difícil aceitar certas transformações porque são muito recentes. É difícil aceitar o fato de que se abateu um tsunami moral sobre países e nações nos últimos 20 ou 30 anos. Mas foi exatamente isso que aconteceu e tudo o que parecia certo não era mais. O que parecia seguro não era mais, o que parecia que nunca ia mudar, mudou. Quando o futebol passa de esporte a negócio, a coisa muda para um clube que tem poucos torcedores. A questão sai do esporte para se tornar financeira. O que dá mais lucro para um anunciante? Um clube com milhões de torcedores ou um clube com poucos? Esse clube com poucos começa a perder visibilidade na televisão, em seguida perde influência e finalmente vem a queda irreversível. Para a Portuguesa faltou também um pouquinho de sorte. Foi um dos grandes clubes da capital, um dos quatro grandes, porque o Santos cresceu a partir de Pelé. Foi Pelé o milagre que a Portuguesa não teve. Pelé transformou o Santos num clube de enorme torcida. A Portuguesa foi ficando pelo caminho na medida em que entraram empresários, que se apropriaram do que a Portuguesa tinha de melhor, isto é, revelar e vender jogadores. A situação ficou pior ainda quando os bairros de São Paulo entraram na loucura da ciranda imobiliária que derrubou uns e elevou outros de categoria, sem muitas razões visíveis. Até nisso a Portuguesa perdeu. O Canindé, ou o Pari, não são zonas privilegiadas ou procuradas por especuladores e compradores. Sem contar que o próprio clube, como muitos outros, se esvaziou diante de condomínios com instalações esportivas. As quadras e piscinas da Portuguesa já não atraem quase ninguém. Como resistir a isso? Como voltar no tempo quando a cidade era outra e o mundo diferente? Seria crível para o torcedor de futebol de hoje que, na Copa de 1954, a Portuguesa, esse mesmo time que caiu agora para a Quarta Divisão, tinha no time titular da seleção brasileira quatro jogadores. Quatro jogadores que jogavam, ou tinham jogado, até pouco tempo na Portuguesa: Djalma Santos, Brandãozinho, Julio Botelho e Pinga. Nos fins dos anos 90 a Portuguesa, pela última vez, disputou o título brasileiro da Série A, numa final com o Grêmio. São Paulo inteira estava no Pacaembu para torcer junto de sua pequena e aguerrida torcida. Foi bonito, mas já era tarde

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