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Futebol do medo

Por Antero Greco
Atualização:

O futebol tem umas contradições de lascar. Quer ver uma? O gol. Exceto algum espírito de porco de plantão, todo mundo concorda que a bola na rede é o detalhe que o transformou no esporte mais empolgante nesta terra e em outras bandas. Tem coisa mais linda do que soltar a voz na hora em que a gorduchinha balança a rede? Pra mim, não. E parece óbvio, certo? De jeito nenhum.Sempre haverá alguém a tirar um porém da manga e a notar que um time não pode lançar-se ao ataque e descuidar da defesa. Os acacianos eternos dirão que é preciso cautela, que o equilíbrio se faz necessário, inútil jogar bonito e pra frente sem conquistar nada. E por aí vai. Durante muito tempo, Telê Santana foi chamado de pé-frio por pregar futebol descomplicado. Depois de encher a sala do São Paulo de troféus, os apedrejadores de anteontem apareceram como os puxa-sacos da hora. Era mestre Telê pra cá, mestre Telê pra lá. De doer.A bola da vez da ira dos pragmáticos é o Santos. O líder do Paulistão, atual campeão estadual, recebeu esculachos nos últimos dias porque sofreu três gols do São Caetano! Óh, que horror! Onde já se viu ser vazado pelo lanterna da competição, que até então não havia incomodado ninguém! Como nessas ocasiões não podem faltar vilões, o miolo da zaga (Edu Dracena e Durval) concentrou o azedume. Já vi gente boa advertir que, com essa dupla, dias tenebrosos virão.Para tornar o prognóstico mais assustador, a advertência vai para o esquema de jogo santista. Os laterais Jonathan e Leo se mandam demais para o ataque, o meio-campo está pouco pegador. Tem muita gente aparecendo na frente. Eu ouvi isso, juro. E li também a respeito. Pois o duelo que terminou com empate por 3 a 3 com o São Caetano, no meio da semana, foi para mim o melhor jogo das quatro rodadas iniciais do campeonato. Uma partida com constantes mudanças de placar, com duas viradas (os 2 a 1 do São Caetano e os 3 a 2 do Santos), uma penca de gols e emoção. Emoção, que é o que conta no futebol. Não aguento mais as argumentações que tentam nos convencer que o futebol virou atividade científica, precisa, a um passo da infalibilidade. Os esquemas são tantos e variados que nos dão a impressão de que as equipes viraram computadores e os jogadores, robôs. Embuste, mistificação.Sem nos darmos conta, aos poucos nos deixamos impregnar pelo medo, pelo discurso aparentemente prudente mas que esconde covardia. Há muita gente no futebol que trabalha para sufocá-lo, para tirar a alegria que está em sua origem e essência. Pessoas que combatem o drible como se fosse pecado mortal, que inibem iniciativas individuais (mas torcem para ter um craque que resolva), que sentem pavor da criação. Por isso rareiam os camisas 10 de qualidade, aqueles jogadores invocados, meio doidos às vezes, irascíveis e geniais, que soltavam nós táticos com passes precisos, com lançamentos decisivos. Neto, Ademir da Guia, Zenon, Gerson, Rivellino, Dirceu Lopes talvez hoje seriam crucificados se se aventurassem a fazer suas "firulas". Mas, como eu disse lá na primeira frase, o futebol tem contradições de lascar. Na hora em que aparece um "10" como o Ganso, cresce o olho de todo mundo. No momento em que Rivaldo se mostra disponível, vem o São Paulo e o resgata, rezando pra que ele continue a ser o maestro que encantou no Palmeiras, no Barcelona e na seleção em dois Mundiais. Logo mais desaparecerão, porque o futebol precisa de gladiadores, de guerreiros dispostos a cumprir suas funções estratégicas com rigor bélico.Dessa forma se explica a ojeriza aos seis gols - cinco nos últimos dois jogos - que o Santos levou! Puxa, que catástrofe, não?! E os 14 que marcou, esses não contam? E a alegria que essas bolas na rede proporcionaram a sua torcida deve ser ignorada? E é desprezível o poder do ataque santista (ou do time que se disponha a jogar pra frente)? Diria que o São Paulo deveria preocupar-se com o poder de fogo do rival. E, se possível, retrucar na mesma moeda. O que veríamos então? Um lindo jogo de futebol.

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