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Ilusão de ótica

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Por Redação
Atualização:

E Muricy foi pro Palmeiras! Trinta e três dias depois de ser demitido do São Paulo, time para qual deu um tricampeonato inédito na história do clube, o treinador não vai mudar muito o roteiro que segue da sua casa até o endereço do novo trabalho. Será do outro lado do muro que separam os centros de treinamento dos rivais que o técnico tentará repetir a façanha que o consagrou e o elevou ao patamar de grande treinador - a rotina dos títulos. É impressionante a sua marca: não houve um ano nos últimos nove em que Muricy não tenha conquistado algum título. É disso que trata a vida de um técnico, amealhar vitórias. É isso que esperam dirigentes e torcedores, o único ponto onde realmente pensam iguais, pois o resto é um desentendimento só: torcedores gostam de contratações, dirigentes gostam de vender jogadores. E foi justamente a súbita ausência de vitórias que fez com que a diretoria do São Paulo resolvesse demitir o técnico. A obstinação pela Libertadores, o quarto fracasso seguido na busca do título intercontinental, fez com que o ciclo do treinador se encerrasse em pleno andamento do Brasileiro no qual ele é o maior colecionador de títulos da era dos pontos corridos, justamente porque é aquele que obteve o maior número de pontos. Pontos esses que nesse momento faltam ao São Paulo e sobram ao Palmeiras. É importante lembrar que mesmo ganhando todos os títulos nacionais que disputou pelo ex-clube, não houve um ano em que a sua permanência não fosse contestada após as referidas desclassificações nos mata-matas. No São Paulo, Muricy era muito criticado por "não saber" jogar torneios eliminatórios. Acho curioso esse fascínio que os brasileiros ainda têm pelos confrontos diretos, essa ideia de que quem ganha esse tipo de campeonato é mais viril, mais potente. Torcedores, dirigentes e mesmo alguns cronistas gostam dos tais times "copeiros", expressão que eu acho um tanto quanto ridícula. Quantas vezes não ouvi a própria torcida do São Paulo apupar seus jogadores após eliminações em mata-matas chamando-os de "pipoqueiros", "amarelões", coisas do gênero. Essa relação subliminar entre vencedores de torneios eliminatórios com masculinidade, virilidade, potência sexual é um traço revelador de um pensamento machista, um tanto quanto descolado para o futebol atual de chuteiras tão coloridas e comemorações com tantos beijos. Jogadores atualmente costumam trocar de time como trocam de roupa, já estamos acostumados. Dormem beijando o escudo que no dia seguinte terão como adversários. Técnicos nunca tiveram essa relação de identificação tão íntima, esse vínculo de sua imagem ligado tão diretamente com os clubes para os quais trabalham. Há aqueles que vão à campo sem qualquer vestígio do distintivo do time em seus ternos mal cortados. Mas há algumas exceções. Da mesma maneira que é difícil imaginar Joel Santana com algum agasalho que não seja o do Flamengo, parece um pouco estranho Muricy com o uniforme do Palmeiras. Mas isso é evidentemente uma impressão que incomodará mais os torcedores tricolores. Daqui a dois meses Muricy e Palmeiras já estarão tão misturados que parecerá que o treinador nasceu na própria Academia. Enfim, na semana que vem o técnico tricampeão estreará no novo clube. Luxemburgo já reassumiu o Santos. Tenho certeza que alguma coisa soará deslocada quando se enfrentarem São Paulo e Palmeiras, assim como Palmeiras e Santos. Mas como nessa vida a tudo a gente se acostuma, certamente esse estranhamento não passará de uma ilusão de ótica.

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