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Inversão de valores

Por Marcos Caetano
Atualização:

Acompanhei, estarrecido, a reação de muitos torcedores - e até de alguns segmentos mais exaltados da mídia esportiva - ao anúncio da convocação de Ronaldinho Gaúcho para a seleção brasileira. O sentimento desses torcedores e de alguns colegas beirou a mais profunda indignação. O ponto de vista dos que se revoltaram com a decisão de Mano Menezes de convocar aquele que, até aqui, é apontado quase que unanimemente como o craque do Brasileiro, evocava o absurdo que é desfalcar um clube que está lutando pelo título nacional apenas para reforçar a seleção em um amistoso de menor expressão, contra Gana. Bem, absurdo, para mim, é justamente esse ponto de vista. Aos 46 anos de idade eu talvez já seja antiquado para entender a lógica do futebol "moderno". Confesso que cresci com a noção de que nada deveria ser mais importante para um jogador de futebol do que defender a seleção brasileira. Atletas muito mais importantes para a história do esporte do que os que vemos hoje vestindo a nossa amarelinha me ensinaram isso. Pelé ganhou um caminhão de títulos com o Santos, jogava centenas de partidas por ano, mas jamais recusou uma convocação porque seu time estava lutando por algum título, ainda mais na primeira metade de um campeonato longo. Até porque, convenhamos, o Santos de Pelé sempre estava disputando algum título. Falei de Pelé como poderia ter falado de Nilton Santos, Didi, Rivellino, Gérson, Zico e tantos outros gênios do futebol, que fizeram o nosso País passar de coadjuvante à principal força do futebol mundial. Somos o que somos hoje, dentro das quatro linhas, justamente por causa do orgulho desses gigantes ao defender as nossas cores. Acho curiosa a reação dos indignados com a convocação de Ronaldinho, pois muitos deles simplesmente execraram - e com razão - os atletas brasileiros da NBA que se recusaram a servir à seleção brasileira de basquete, para não ficar mal com seus clubes milionários. Por que no futebol seria diferente? Para mim, qualquer atleta que abra mão de defender a seleção de seu país - seja no cuspe à distância, no basquete ou no futebol - está errado. A única exceção se aplica a atletas que recusem uma convocação com o nobre objetivo de denunciar desmandos em confederações corruptas. Pena que atletas com tal coragem sejam cada vez mais raros. Sendo assim, qualquer jogador que recusar uma convocação para agradar ao seu clube da NBA, do futebol europeu ou do futebol brasileiro, não é digno de ser ídolo. E sem ser ídolo, ele deveria perder valor de mercado e contratos. Ou seja: o atleta que deixa de servir a uma seleção para privilegiar um clube deveria perder prestígio e dinheiro, e não o oposto. Vamos recapitular alguns fatos: Ronaldinho é hoje o melhor jogador em atividade no Brasil. No Brasileiro, ele está jogando melhor até do que Neymar. A seleção brasileira, por sua vez, não vem jogando bem. Falta, por parte de Mano Menezes, definir o que pretende taticamente com o time - e é igualmente verdade que, fora Neymar, as jovens apostas do elenco ainda estão patinando. Ou seja: o time tem que melhorar. Não precisa ser um time perfeitamente azeitado antes de 2014, mas precisa ao menos mostrar evolução. Um time precisa jogar bem para que novas peças possam se encaixar num esquema que está dando minimamente certo. Assim, nada mais natural do que o treinador convocar um atleta com talento e experiência indiscutíveis. Um atleta de 31 anos, que para o preparador físico do Flamengo parecem 26, ou seja, longe de ser um vovô do esporte. Diante de tudo isso, resta-me dizer que fiquei espantado com o espanto de tanta gente por algo tão óbvio - e até desejado por grande parte da torcida e pelo próprio jogador, que lutou para entrar em forma e merece a recompensa da convocação. É verdade que não estaríamos falando disso se a CBF conseguisse viabilizar o óbvio ululante que é um calendário compatível com as datas da seleção. Mas isso é assunto para outra coluna. Aliás, infelizmente, já foi assunto de várias colunas minhas.

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