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Jogos são desculpa para desrespeito a direitos na China, diz Anistia

Relatório diz que intenção de Pequim é 'limpar' as ruas de pessoas 'indesejáveis'.

Por Marina Wentzel
Atualização:

Um relatório da Anistia Internacional (AI), divulgado nesta segunda-feira, afirmou que garantir a "harmonia" e "estabilidade" dos Jogos Olímpicos de Pequim virou uma desculpa para o governo desrespeitar os direitos humanos na China. De acordo com o documento da ONG, a repressão dos indivíduos que defendem os direitos humanos "se intensificou porque Pequim está hospedando os jogos". A Anistia Internacional diz que a intenção do governo chinês seria "limpar" das ruas de Pequim pessoas "indesejáveis", que possam causar distúrbios e promover manifestações durante os jogos. As autoridades chinesas não fizeram comentários sobre o relatório antes de sua publicação. Entretanto, Pequim já negou várias vezes as acusações de que viola os direitos humanos e sustenta que recentes reformas que foram adotadas, além do bom gerenciamento da economia, melhoraram a qualidade de vida de milhões de pessoas na China. O governo também tem realizado operações policiais devido à preocupação com possíveis ataques de grupos extermistas durante os jogos. "Limpeza" As autoridades chinesas estariam mantendo na prisão de forma "arbitrária e abusiva" ativistas, jornalistas e advogados que lutam pelos direitos humanos, afirma a AI. Segundo a ONG, o governo tem mantido esses cidadãos sob custodia por meio de duas formas de detenção que dispensam julgamento, a "reeducação por meio do trabalho" e a "reabilitação das drogas à força". Aos detidos não é dado o direito de questionar o motivo da prisão e eles podem ficar sob custódia por até mais de três anos, segundo Mark Allison, pesquisador-chefe para a China da AI. "Observamos uma deterioração dos direitos humanos na China não apesar da Olimpíada, mas por causa da Olimpíada", afirmou a vice-diretora do programa para Ásia da ONG, Roseann Rife. Prisão arbitrária Um dos casos de prisão arbitrária listado no documento é o de Ye Guoqiang e Ye Mingjun que estão detidos desde 2004 por terem protestado contra a remoção à força da área onde moravam em Pequim. A casa da família Ye ficava no eixo central da capital que passou por renovações para dar espaço a obras para a Olimpíada. A edificação foi demolida em meio a um projeto de revitalização próximo ao estádio Xiannongtan, mas as autoridades negam que a detenção dos Ye tenha a ver com os jogos. O documento intitulado The Olympics countdown - broken promises, ("Contagem regressiva para a Olimpíada - promessas não cumpridas", em tradução livre) ainda aponta outras áreas onde a questão dos direitos humanos piorou, apesar das promessas de melhora do governo. Segundo a Anistia, a China, além de perseguir ativistas e fazer uso de detenções arbitrárias, também tem censurado a internet e a imprensa e aplicado excessivamente a pena de morte. O documento enumera diversos casos de censura à liberdade expressão, incluindo a coação do repórter do Irish Times Clifford Coonan, que foi forçado por policiais a interromper uma entrevista com as famílias das crianças mortas nas escolas que desabaram no terremoto de Sichuan. Os policiais obrigaram o fotógrafo que acompanhava Coonan a apagar as imagens que tinha feito e ameaçaram punir as famílias que conversassem com a imprensa. A liberdade de acesso à informação também não melhorou. "Informes recentes apontam que os sites de certos jornais e organizações independentes permanecem inacessíveis até mesmo para os computadores instalados dentro da vila olímpica", lamentou Mark Allison. Execuções A AI também ressalta que a China continua sendo o país com maior número de execuções penais. Porém, de acordo com a ONG, o governo do país não trata esse assunto com a transparência necessária. A Suprema Corte afirma que houve uma queda nas execuções em 2007, mas a Anistia questiona como é possível confirmar essa alegação se nunca foram divulgadas estatísticas verificáveis sobre o assunto. A maior frustração, acredita Roseann Rife, é o fato de a própria China ter associado os Jogos Olímpicos à promessa de maior respeito aos direitos humanos. "Foram eles que fizeram primeiro essa associação", afirma. Em 2001, o então secretário da candidatura Olímpica de Pequim, Wang Wei, afirmou após vencer a nomeação que "nós vamos dar completa liberdade à imprensa quando vierem à China". "Estamos confiantes que a vinda dos Jogos para a China promoverá não apenas a nossa economia, mas também incrementará as condições sociais, incluindo educação, saúde e direitos humanos", disse Wang. "Quando eles fizeram essas promessas, nós acreditamos nas palavras deles", concluiu Mark Allison. Esse é o sétimo relatório de contagem regressiva para os Jogos Olímpicos de Pequim feito pela a Anistia Internacional desde 2005. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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