Lembranças de um basquete glorioso

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Por Ugo Giorgetti
Atualização:

Houve um tempo em que pensei que poderia ser um bom jogador de basquete. Não fui. Mas por um período extremamente curto, entre 1961 e 1962, fiz parte, ainda que de maneira modesta, do melhor basquete do mundo. Não é exagero. O Brasil foi campeão mundial em 1959 e voltou a sê-lo em 1963. Esse esporte já foi o segundo na preferência dos brasileiros, esse mesmo esporte que hoje não consegue nem sequer participar de uma Olimpiada e é saco de pancada até por aqui, na América do Sul. Foi necessário um trabalho de destruição incessante para reduzi-lo a essa condição. Dirigentes agiram ano após ano, infatigáveis, na obstinação de destruir o basquete brasileiro, naturalmente sob olhares indiferentes de vários ministérios de Esportes e secretarias estaduais. Ao contrário do vôlei, o basquete não conseguiu nos últimos muitos anos produzir um único dirigente que pudesse resgatá-lo. Mas já fomos grandes. Olho para trás e não consigo acreditar que vi o que vi e participei do que participei. Como não existia nem videotape, recorro à minha memória para rever imagens e elas surgem como sempre em fragmentos, lembranças inexplicáveis, indo e vindo como numa montanha russa.Vejo o ginásio do Pacaembu lotado, a camisa vermelha do E.C. Sírio, com Amaury, Celso, Succar,Vitor, e logo em outra imagem estou no velho ginásio da Atlética São Paulo assistindo à estréia paulista de Edson Bispo do Santos, vindo do Rio com seus famosos ganchos. Passa agora diante de mim uma arrancada de Miltinho, um jump de Jathir e sua incrível impulsão, passam Laerte, Peninha, vejo Mosquito conduzindo a bola com sua mão esquerda, o jeito felino e traiçoeiro, esperando que algum companheiro entendesse o que estava pensando. Passa na minha fente a imagem da primeira vez que vi Edvar Simões, que veio de São José para acabar definitivamente com a minha possibilidade de ser o armador da seleção paulista juvenil de 1959. Rapidamente me surge o rosto de Radvillas e Ubiratan, os dois do meu time, os dois desaparecidos. E por alguma razão me aparece o time lendário, praticamente imbatível, do XV de Piracicaba. Wlamir, Pecente, Waldemar, Nascimento e Paula Motta. Continuo pelo interior me revendo num ginásio lotado, como nunca tinha visto nenhum antes, massacrado por uma equipe chamada Clube dos Bagres de Franca, comandada por Hélio Rubens. E tudo isso me vem à mente porque, faz poucos dias, morreu um dos maiores: Rosa Branca. Veio de São Carlos para o Palmeiras e, quando estava em noite boa, era, como Wlamir e Amaury, literalmente imarcável. Tinha enorme elegância natural nos movimentos e dominava todos os fundamentos do jogo. Não havia, que me lembre, muitos jogadores negros naquela época e foi com Rosa Branca que vi pela primeira vez, na sua plenitude, o estilo negro de jogar, cheio de ginga, elasticidade, malabarismo mesmo. Para quem quiser saber como jogava Rosa Branca recomendo ligar a TV na transmissão de qualquer jogo da NBA. Ele estará lá. Mas não quero dar a impressão de que tudo é luto e desolação. Este não é um texto de lamentação e lamúrias pelo passado perdido. É antes um texto de orgulho infinito por ter de alguma forma participado dessa geração. Por isso corrijo: o basquete brasileiro não está morto, está apenas esperando para ser reconduzido ao seu devido lugar. Esse dia vai chegar.

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