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Lucão não tem culpa

O primeiro tempo foi suficiente para encher a paciência de Rogério Ceni. Não era bem essa a despedida que o goleiro imaginava ter de sua carreira no estádio que o consagrou. Em sua última partida como profissional no Morumbi, o maior nome da história tricolor acompanhou São Paulo x Figueirense de cima, distante, com visão privilegiada de uma equipe que não combina com ele.

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Por Paulo Calçade
Atualização:

Este São Paulo não tem nada a ver com Rogério Ceni, mesmo com a recuperação heroica nos minutos finais. A vitória de virada produz uma sensação boa, de superação, mas a questão é outra. É a falta de controle do jogo, é a oscilação absurda diante de um candidato ao rebaixamento.

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É inacreditável que a uma partida do encerramento da temporada, o time não possua identidade, não tenha adquirido um padrão claro de comportamento, visível em outros competidores. É para isso que servem os treinamentos e os bons treinadores. O contraponto da situação é que, apesar de todas as imperfeições, o São Paulo só depende dele para disputar a Copa Libertadores da América. Isso prova como o clube desperdiçou tempo, dinheiro e talento ao longo do ano.

Atribuir o mau futebol apenas ao desempenho individual dos jogadores não é correto. É impossível evoluir coletivamente diante de tantas trocas no comando técnico. Muricy Ramalho, Juan Carlos Osório, Doriva e Milton Cruz têm percepções diferentes sobre o jogo e sua construção. 

A cada substituição de comando são alteradas as configurações básicas da equipe. Um exemplo muito vivo na mente são-paulina é o comportamento nas bolas paradas defensivas. Com Doriva, em pouco mais de um mês, esse momento do jogo foi encarado de três formas diferentes, com marcação por zona, individual e mista. Não há time que resista.

As ações de uma partida de futebol são imprevisíveis, é impossível antever e ensaiar soluções para encarar todos os seus momentos. 

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Isso acentua a necessidade de reforçar, em treinos e partidas, situações em que a organização coletiva possa ajudar a conter esse traço de imprevisibilidade que torna o esporte, em especial o futebol, maravilhoso.

Sem rumo. A versão 2015 do São Paulo é uma bagunça sem-fim, no campo e em seus gabinetes. O clube foi o primeiro a construir um centro de treinamento e a montar um núcleo de recuperação de jogadores. Foi referência para muitos dos avanços do futebol brasileiro, mas parou no tempo depois do tricampeonato em 2008. Acreditou estar tão à frente de seu tempo que os títulos viriam naturalmente.

Um dos símbolos da inércia tricolor é a contratação de jogadores ainda baseada nos métodos de antigamente, pelo olhômetro. 

Faz alguns dias que o departamento de futebol implantou um centro de análise de desempenho, que lentamente dá seus primeiros passos.

A primeira tarefa agora é contratar um treinador capaz devolver ao time sua personalidade vencedora e moderna. Quando o torcedor pede raça, lá do alto das arquibancadas, é porque enxerga no gramado um grupo desorganizado. E imediatamente traduz a situação como falta de vontade.

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Uma equipe organizada, bem posicionada, ensaiada em cada detalhe e afinada com o futebol contemporâneo, necessita menos desse tipo de raça, como modelo compensatório da bagunça que apavora nosso futebol e nosso futuro. 

Esteja Lucão na jogada ou não, o zagueiro tornou-se o vilão de plantão pelo drama são-paulino. Faz parte da crueldade do futebol individualizar a culpa. 

Pense comigo, o menino que recentemente trocou a base pelo time profissional precisava de um caminho seguro, de um “professor” que lhe desse o impulso necessário em sua carreira. No lugar disso, deram-lhe quatro treinadores. E a culpa é só dele?

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