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Match point

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Por Redação
Atualização:

Falemos de cinema e tênis antes de chegar ao que interessa. Woody Allen tem um filme genial chamado Match Point. As imagens iniciais mostram a bolinha que bate na fita da rede, sobe e...para que lado ela vai cair no último ponto da partida? No filme, o tênis é usado para discutir a força do acaso na vida das pessoas. Um assassino ambicioso pode se dar bem ou ser preso dependendo de um pequeno detalhe, fora do seu controle ou da polícia. Conclusão: podemos fazer de tudo para que as coisas deem certo, mas se não contarmos com um deus irônico e muitas vezes cruel a nosso favor, tudo será inútil. Sem um pouco de sorte ninguém consegue nem atravesssar a rua para chupar um Chica-Bom, dizia Nelson Rodrigues. Agora, o futebol: imagine se Neymar tivesse feito aquele gol, na melhor chance do Santos durante o clássico de domingo com o Corinthians. Não é uma hipótese de ficção científica e nem tem nada de absurda. Era um gol para ser feito e só não aconteceu porque o garoto estava meio desequilibrado, ou porque tenha sentido o peso do momento, ou talvez devêssemos dar o devido crédito ao goleiro Felipe, que saiu muito bem na bola. Ou tudo isso ao mesmo tempo, pois um fato é feito de muitas razões. Mas, se o gol tivesse acontecido, será que eu teria ouvido em toda parte explicações táticas que faziam da vitória corintiana algo de inexorável, necessário como se estivesse escrito nas estrelas? Acho que não. Estaríamos justificando o empate como o resultado mais "justo" (essa palavra...) de um jogo equilibrado. O Corinthians teve seus momentos, o Santos teve os dele. Dentinho botou a bola para dentro e, em oportunidade mais clara do que a do Corinthians, Neymar deixou de marcar o seu. Simples assim. E por que ficamos procurando tanta "lógica" no resultado de uma partida de futebol? Por que, depois que ela acabou, insistimos em construir um jogo mental, uma espécie de modelo abstrato do jogo real, que justifique aquilo que ficou inscrito no placar de forma definitiva? Talvez tudo isso faça parte da nossa necessidade de ter explicações lógicas para essa desordem às vezes absurda chamada vida. Precisamos nos convencer de que compreendemos muito bem as coisas e podemos montar com facilidade um esquema de causa e efeito que tudo compreende e engloba. Dar uma certa racionalidade às coisas. Além disso, como decorrência, precisamos nos convencer de que os resultados são "justos", isto é, premiam quem trabalha melhor e faz por merecer o placar obtido. É mais ou menos como se nos reassegurássemos de que fazendo tudo direitinho em nossas vidas terminaremos contemplados com o sucesso, a fama, a felicidade, ou simplesmente a sobrevivência - dependendo de qual seja o nosso objetivo. Acontece que o futebol é o lugar do detalhe que nem sempre pode ser controlado, do acidente, do acaso, feliz ou infeliz. O pé um pouco para lá ou um pouco para cá, um efeito mínimo na bola, o morrinho artilheiro, e pronto - lá está uma vitória transformada em derrota. Ou vice-versa. Mas eu sei que é duro admitir isso. Mesmo porque a melhor forma de dar com os burros n?água é deixar tudo por conta do acaso. Então ficamos assim: precisamos planejar tudo, e nos mínimos detalhes. Mas às vezes é o detalhe imprevisto, a grande força do acaso que diz a palavra final. Essa fragilidade das coisas (do jogo, da vida...) é bastante incômoda. Por isso mesmo precisamos jogá-la para debaixo do tapete das grandes explicações lógicas e definitivas. Somos excelentes profetas daquilo que já aconteceu.

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