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Meu tio corintiano

Por Eduardo Maluf
Atualização:

Monsenhor Jorge Simão Miguel é conhecidíssimo em Piracicaba, onde celebra missas na paróquia de Vila Rezende há décadas, faz batizados, casamentos, ajuda pessoas carentes... É famoso na cidade também por seu fanatismo pelo Corinthians. Não perde um jogo do "Timão" e exibe na parede da sacristia de sua igreja a camisa alvinegra com autógrafos de craques como Sócrates. Mas corneteia a equipe como qualquer torcedor. É típico corintiano: reclamou de Tite durante a temporada, mas agora o técnico é herói e tudo é festa. Ainda zomba da dor de cotovelo dos adversários. Padre Jorge, como o chamo, é meu tio. Ele ilustra bem o sentimento da Fiel desde aquele início de ano vergonhoso até o final de glória com o título brasileiro.Era fevereiro, almoço na casa de sua irmã, minha tia Amélia, em Capivari. Prato principal: quibe cru, claro. Um dos assuntos, como de costume, foi o Corinthians. Na ocasião, padre Jorge e milhares de corintianos queriam a demissão de Tite e a dispensa de vários atletas. A revolta era justificável. O time, afinal, acabara de ser eliminado na pré-Libertadores por um oponente inexpressivo, o Tolima. A derrota encerrou a carreira de Ronaldo, mandou Roberto Carlos para a Rússia e fez explodir crise no Parque São Jorge. Era impossível imaginar uma reviravolta.O presidente Andrés Sanchez, novo popstar da Fiel (rótulo que, para mim, tem boa dose de exagero), acertou em manter Tite no comando técnico, não se desfez da base e tratou de levar a paz de volta ao clube. Aquele grupo, no entanto, não parecia capaz de brigar por algo maior na competição nacional. Essa era a constatação de padre Jorge e, creio, da maioria. A equipe começou bem o Brasileirão, mas sem encanto. Até que apareceu pela frente o São Paulo, em junho. Os corintianos infligiram surra de 5 a 0, iniciaram arrancada e dormiram por várias semanas numa confortável liderança. "Acho que dá", constatou o monsenhor, já com semblante diferente.Alguns tropeços formaram novas nuvens negras no Parque São Jorge, o primeiro lugar escapou e a desconfiança voltou a atormentar o corintiano. Tite, novamente, ficou ameaçado. O clássico contra o São Paulo, pelo segundo turno, em setembro, decidiria o futuro do treinador. Era a chance da revanche para o Tricolor. Os são-paulinos, porém, apesar do domínio em campo, mais uma vez amarelaram diante do rival. No fim, o 0 a 0 marcou a recuperação alvinegra e elevou o moral do grupo.Início de novembro, novo encontro de família. "O Vasco está jogando mais que o Corinthians, não sei se seremos campeões", desconfiou padre Jorge, questionando outra vez o trabalho de Tite. Retruquei que o treinador não poderia fazer mais, pois o elenco tinha suas limitações. Ressaltei, contudo, a força de vontade daqueles jogadores. De 1 a 0 em 1 a 0, o time ficaria com o título.No domingo, padre Jorge sofreu com o Palmeiras, mas finalmente soltou o grito de campeão. E não deu bola para palmeirenses, são-paulinos e santistas, que criticaram o futebol corintiano: "O que interessa é que o Corinthians é penta". De fato, é o que vai ficar na história.

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