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Monólogos e diálogos

Boleiros

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Por Redação
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Lembro perfeitamente de quando, ainda menino, ouvia minha avó Eulália comentando a maravilhosa performance do ator Rodolfo Mayer na peça As Mãos de Eurídice, de Pedro Bloch, que ele encenou mais de quatro mil vezes. "Um monólogo lindo", dizia ela, suspirando, enquanto preparava suas famosas brevidades e seus legendários bolinhos de chuva. Performance, àquela altura, era um conceito um tanto difuso para mim. Eurídice, eu sequer supunha que era um nome, e muito menos nome de mulher. Monólogo, então, eu não fazia idéia do que poderia ser. Talvez um homem casado uma só vez, sei lá. Anos mais tarde, pude ver o tal Rodolfo Mayer num programa de TV, já velhinho, ajoelhando-se diante da porta imaginária de sua antiga casa, humilhado e arrependido, depois de tê-la abandonado por uma vida de farras e jogatina: "Eu voltei!" Gostei daquele negócio de monólogo. Que maravilha ver um ator solitário, segurando todo o peso de uma obra dramática ou cômica sobre os próprios ombros. Que coragem! Hoje em dia, ninguém faz isso melhor do que Pedro Cardoso, capaz de interpretar seus próprios textos em atuações que combinam comédia rasgada com pitadas do mais profundo drama. Sim, eu continuo gostando de monólogos - exceto quando se trata de campeonatos de futebol. As últimas edições do Campeonato Brasileiro - e, sobretudo, a última - têm sido monólogos. Logo após as primeiras rodadas pinta o campeão, o time que só perderá o título em caso de tragédia, que nunca ocorre. O São Paulo foi o Rodolfo Mayer do ano passado. Não dava nem para fazer bolão com palpites sobre o campeão. O negócio era apostar nos participantes da Libertadores, nos rebaixados e assim por diante. Felizmente, o campeonato de 2008 está mais parecido com uma boa peça de Shakespeare, cheia de personagens interessantes, do que com As Mãos de Eurídice. É sempre bom para o futebol de um país quando seu principal campeonato é disputado pelos clubes, em vez de acompanhado pelos clubes. A atual edição do Brasileirão tem, como boa parte das peças teatrais, poucos protagonistas e muitos coadjuvantes. Entre os protagonistas, está o Rodolfo Mayer da última temporada, São Paulo, só que desta vez dividindo espaço com outros atores no letreiro do teatro. O tricolor paulista ainda pode retomar o centro do palco, mas precisa se concentrar mais. O texto desta temporada é difícil. Até aqui, o papel principal pertence ao Flamengo. O rubro-negro disputou muitas partidas em casa, mas, descontados os incidentes extra-campo, vem entregando performance irretocável. A competir com ele, vemos alguns atores consagrados e um coadjuvante que vem pensando em roubar a cena. Os atores consagrados são Cruzeiro, Grêmio e Palmeiras. Falta a eles seqüência consistente de boas atuações, mas estão todos por ali, esperando que o Flamengo erre uma fala para roubar-lhe os aplausos. Outros atores consagrados, como Inter e Vasco, parecem aguardar na coxia a hora de entrar para valer em cena. O coadjuvante que vem roubando a cena é o Vitória. Não acredito que o rubro-negro baiano seja capaz de receber os aplausos de campeão após a cortina final. Mas pode, assim como outro nordestino, o Náutico, sonhar com vaga na Libertadores. O simples fato de poder escrever uma crônica com tantos personagens já é - para mim e para quem gosta de futebol - um alívio cênico.

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