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Mundial perdeu a graça

colunista convidado
Por Luiz Zanin
Atualização:

O que nós temos a ver com o San Lorenzo? Muito. Com a (previsível) derrota do time argentino para o Real Madrid, ficou mais claro como a água que falta em São Paulo o abismo que separa o futebol de clubes da Europa e o da América do Sul.Nem sempre foi assim. Iniciado em 1960, o Mundial de Clubes era o grande tira-teima entre o futebol europeu e o sul-americano, as duas grandes escolas do esporte. Criado na Europa, e ambientado efusivamente na América do Sul, o futebol possuía estilos de jogo bem distintos dos dois lados do Atlântico. Era a mesma modalidade esportiva, porém praticada com marcas culturais distintas. A Europa, grosso modo, distinguia-se por um jogo mais racional, com ênfase nos aspectos táticos. A América do Sul caracterizava-se por sua safra sempre renovada de inventores com a bola nos pés, jogadores capazes de criar lances surpreendentes, que, num lampejo, podiam demolir toda a tática adversária. Claro, havia racionalidade na maneira criativa do futebol sul-americano, assim como se notava inventividade em alguns boleiros europeus, que conseguiam superar a rigidez tática a que se submetiam. Tudo era questão de ênfase - mais tática e estratégia de um lado, mais criatividade do outro. Era esse embate entre diferentes que fazia todo o encanto desse tira-teima anual que colocava frente a frente o campeão da Uefa e o campeão da Libertadores. Uma partida em cada país e, em caso de empate, uma terceira. Nunca houve fórmula melhor. Quando, por razões comerciais, virou jogo único em Tóquio, já não era a mesma coisa. Nesse confronto entre diferentes, ora vencia um, ora vencia outro. Havia um relativo equilíbrio, como a dizer que não existe receita mágica para vencer. Esses grandes duelos entre estilos eram o que futebol tinha de melhor. Nós, por aqui, nos gabando de nossos craques sem igual, os grandes ilusionistas da bola; eles, fazendo profissão de fé em sua tradição antiga, na capacidade de organização e disciplina de jogo. O confronto anual era oportunidade de tirar a limpo as dúvidas e saber quem tinha razão. E essa razão era sempre provisória, conforme o vencedor fosse o Real Madrid, o Santos, o Boca Júniors, o Milan, o Peñarol... Esse equilíbrio foi quebrado com a chamada globalização do esporte.Se há muito havia prevalência econômica dos europeus, hoje a disparidade tornou-se astronômica. Há um abismo entre o que fatura um grande clube europeu e um grande clube sul-americano. O orçamento inteiro do San Lorenzo talvez não pague uma única das estrelas do Real Madrid. Os grandes clubes europeus são hoje multinacionais formadas pelos atletas mais talentosos dos quatro cantos do mundo.O desnível técnico das equipes é a tradução lógica do desequilíbrio econômico. Os números falam por si mesmos. Nos últimos dez mundiais, os europeus ganharam sete e os sul-americanos três. Também não por coincidência, três do Brasil, que tende a manter a hegemonia na América do Sul. Em 2005, o São Paulo ganhou do Liverpool. Em 2006, o Internacional superou o Barcelona. Em 2012, o Corinthians venceu o Chelsea. Nessas três conquistas os brasileiros eram tidos como azarões. E eram mesmo. Cautelosos, conscientes da inferioridade, jogavam "por uma bola", como hoje se diz. Exatamente como o San Lorenzo tentou fazer, em vão, contra o Real Madrid. Eventualmente um time sul-americano ganha do europeu, como o Jabaquara de vez em quando aprontava e derrotava o Santos de Pelé. Coisas do futebol, que, apesar de tudo, ainda não é uma ciência exata. Esse culto a Davi contra Golias pode até ser bacana, mas no fundo é meio cansativo. Bom mesmo é ver dois times equivalentes, porém radicalmente diferentes, se afrontando no campo de jogo e disputando a vitória palmo a palmo. Jogos fantásticos como o que reuniu o Santos de Pelé contra o Benfica de Eusébio hoje são parte do museu histórico do futebol.Com o abismo aberto entre Europa e América do Sul, o Mundial de Clubes foi perdendo progressivamente a graça. Um dia talvez deixe de existir.

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