'Nenhuma criança merece isso', afirma Joanna Maranhão

Molestada sexualmente aos 9 anos, atleta, que tenta índice para os Jogos de Pequim, fala de seu drama

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Por Angela Lacerda
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A nadadora Joanna Maranhão, 20 anos, teve uma semana difícil, emocionalmente estressante. Depois de ter se tornado notícia nacional por acusar de abuso sexual o seu ex-treinador, Eugênio Miranda, quando tinha nove anos, ela recebeu críticas de quem não acreditou na sua história. Soube também da intenção do suposto agressor de entrar na Justiça com um processo criminal e uma ação indenizatória contra a sua mãe, a médica Teresinha Maranhão, que o identificou. Ao mesmo tempo, recebeu a solidariedade de uma jovem um ano mais nova que, como ela, diz ter passado pelo mesmo trauma quando tinha oito anos.   Triste por não ter sido a única a passar pela experiência dolorosa, a revelação teve o poder de confirmar para ela mesma uma inocência da qual chegou a duvidar. "Eu não tive culpa", afirmou em entrevista na noite de sexta-feira, após treinar no Clube Português, no Recife, onde se prepara para alcançar o índice olímpico nos 400 m medley (4min45s08) e carimbar o passaporte para os Jogos de Pequim.   Como reagiu ao saber que outra pessoa diz ter sido molestada pelo seu ex-técnico? A entrevista dela [ao jornal Diario de Pernambuco] foi um baque. Eu lia e via ela falando a mesma coisa, do mesmo jeito, o mesmo sofrimento. Eu achava que era somente eu, que tinha acontecido somente comigo. E pensava que eu devia ter feito alguma coisa na época. Mas como apareceu esse caso e ele [seu ex-treinador] continuou na área [ensinando a crianças], acho que outros casos ainda podem aparecer.   A moça que alega que também sofreu abuso disse ter oito anos na época e que ele a acariciava fora da piscina e na casa dele. Como foi com você? Também dentro da piscina e na casa dele.   Você sente vergonha depois de ter exposto essa parte da sua vida? Hoje, que consigo verbalizar isso, quanto mais falo mais me sinto melhor e vejo que as pessoas estão abrindo os olhos. Vergonha, não tenho. Tive vergonha quando era criança, porque pensava que a culpa era minha, mas hoje sei que não tenho culpa. Eu não tive culpa. E nenhuma criança merece passar por isso. Quem tem de ter vergonha é ele. Eu tenho que ter orgulho por ter superado isso.   O que você espera que aconteça com Eugênio Miranda? Mesmo tantos anos depois e mesmo não podendo fazer muita coisa juridicamente, fico feliz por saber que ele não vai poder mais fazer isso com nenhuma criança. Espero que o nome dele fique marcado, que as pessoas não esqueçam, que ele possa ganhar o dinheiro dele como for, trabalhar como for, mas nunca mais com criança. Ele não pode. É um perigo.   O que achou da atitude dele, de negar os abusos e anunciar que irá à Justiça? Pelo pouco que conheço daquele cidadão, acho que ele não esperava que eu fosse abrir o jogo. Ele deve estar desesperado, com medo da família. Duvido que a mulher e os [dois] filhos saibam disso. São três tesouros, pessoas maravilhosas. Ele pode ir à Justiça, mas ele sabe o que fez.   E os comentários de que você foi alvo, especialmente na internet? Algumas pessoas acham que é mentira, que estou inventando para aparecer. Como um ser humano seria capaz de inventar uma história dessa tantos anos depois, simplesmente acusar uma pessoa do nada? As pessoas estão achando que matutei e pensei: "Tive tantos técnicos e vou escolher esse aqui para acabar com a vida dele?" É uma absurdo isso, mas o tempo vai dizer. Também não quero que fiquem me vendo como coitadinha. Se eu tivesse vindo à imprensa no momento em que eu estava completamente abalada, depressiva, aí sim as pessoas teriam pena de mim porque eu estava acabada. Hoje, não estou mais. Vejo isso como uma coisa que passou e que superei.   Quando você acha que esta história vai ter um ponto final? Dentro de mim, já houve o ponto final. Agora só com o tempo as coisas vão esfriando e as pessoas vão parar de falar a respeito disso.   E como vão os treinos (quatro horas diárias na piscina e musculação em dias alternados)? Estão ótimos. Hoje [sexta-feira] achei que iria treinar mal. Cheguei, comecei a respirar fundo e a dizer para mim mesma: "Apaga, apaga que está na hora de treinar". Na hora em que caio na água parece que as coisas vão embora. Estou conseguindo separar. Estou cada dia melhorando nos meus treinos. O Nikita [treinador de Joanna] está vendo isso. Estamos no caminho certo.

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