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NFL terá de analisar avaliações com base racial em acordo envolvendo concussões

Mediação do caso poderia forçar reabertura de centenas de pedidos de reconhecimento de demência negados para jogadores negros, caso indicadores raciais de avaliação sejam descartados

Por Ken Belson
Atualização:

A juíza responsável pelo histórico acordo da NFL envolvendo concussões determinou que um mediador analise as queixas decorrentes da aplicação de curvas de pontuação distintas – uma para atletas negros e outra para atletas brancos - por parte da liga, usadas por médicos para avaliar pedidos de reconhecimento de demência que, de acordo com jogadores aposentados, discriminam “explicitamente e deliberadamente” centenas, se não milhares, de jogadores negros.

A mediação entre a NFL e os advogados que representam os cerca de 20 mil jogadores aposentados cobertos pelo acordo ocorre após dois jogadores negros, Kevin Henry e Najeh Davenport, entrarem com um processo relacionado a direitos civis e outro contra um acordo estabelecido em agosto, que pedia o fim da prática normatizada de usar indicadores raciais para analisar as alegações de demência e Alzheimer. Ambos os casos foram encerrados, mas advogados dos dois jogadores planejam uma apelação.

Najeh Davenport entrou com um processo contra a NFL Foto: Jeffery Salter/The New York Times

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A denúncia de discriminação sistemática apresentada por eles expôs de maneira inclemente o acordo estabelecido em 2015. As indenizações previstas no acordo foram, desde então, assoladas por atrasos, credores predatórios, acusações de fraude e falta de transparência. As críticas envolvendo políticas de avaliação com base racial ocorrem em um momento crítico para a NFL, em que a liga busca abordar questões de desigualdade racial e social levantadas por jogadores negros, que representam cerca de 70% dos jogadores atualmente na ativa.

Após os processos serem abertos, quatro congressistas solicitaram dados da NFL para determinar se jogadores negros estavam sofrendo discriminação (a NFL se recusou a compartilhar as informações). No mês passado, uma reportagem da ABC News revelou correspondências entre médicos contratados para avaliar jogadores aposentados, nas quais neuropsicológicos levantavam preocupações com a possibilidade de as normas com base racial discriminarem jogadores negros. Este mês, mais de uma dezena de mulheres de jogadores negros aposentados mandou para a juíza uma petição com aproximadamente 50 mil assinaturas solicitando o fim das normas com base racial.

Por enquanto, a mediação mantém as queixas vivas. A juíza responsável pelo acordo, Anita B. Brody, da Corte Distrital dos EUA do Distrito Leste da Pensilvânia, encerrou os processos por considerá-los um “impróprio ataque colateral” ao acordo. Anita expressou preocupação em relação aos indicadores com base racial que os médicos da liga usam, mas não forneceu detalhes para orientar o mediador, que deve “analisar as queixas relacionadas à questão da normativa com base racial”.

Outro magistrado servirá de mediador entre a NFL e Christopher Seeger, o principal advogado dos demandantes, que representa toda a coletividade dos cerca de 20 mil jogadores aposentados. Não foi estabelecido prazo para as partes alcançarem o acordo.

Os advogados de Henry e Davenport, assim como as mulheres dos ex-jogadores, expressaram pouca confiança na possibilidade de Seeger representar adequadamente os interesses dos jogadores negros na mediação. Eles afirmaram que a NFL e Seeger introduziram a normativa com base racial ao acordo estabelecido em 2017 e não têm motivo para admitir, agora, que o regramento é falho.

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“Estamos profundamente preocupados com a solução proposta pela Corte, que equivale a obrigar os responsáveis pela criação esse sistema discriminatório a propor uma correção”, afirmou Cyril Smith, advogado de Henry e Davenport. “A coletividade dos ex-jogadores negros que representamos tem de ter lugar nessa mesa e direito a um processo transparente, para que não retornemos ao mesmo ponto de quatro anos atrás, lidando com mais um acordo fatalmente falho.”

Amy Lewis, cujo marido, Ken Jenkins, jogava na NFL, está igualmente cética. Deixar que a NFL e Seeger elaborem um acordo é como “dar à raposa uma nova chance de vigiar o galinheiro”, afirmou ela em uma carta para Anita, enviada em nome de mais de uma dezena de mulheres de jogadores da NFL. “Como qualquer uma de nós pode acreditar que as partes infratoras não irão, mais uma vez, enterrar esse caso e negar os direitos civis de nossos maridos?”

Lewis afirmou que o grupo pediria ao Departamento de Justiça a ao Congresso uma investigação de “violações de direitos civis e possível conluio” entre a NFL e Seeger. Em um comunicado, Seeger afirmou que não encontrou “nenhuma evidência de discriminação racial no programa do acordo”, mas continua “a analisar as queixas para determinar se alguma delas foi negada de maneira imprópria como resultado da aplicação desses ajustes”.

Mas ele afirmou que ajustes demográficos com base racial deveriam acabar, e jogadores que tiveram suas alegações rejeitadas em razão da normativa racial deveriam ter seus testes reavaliados sem os ajustes com base racial se houvesse evidência de discriminação. “Isso quer dizer eliminado e retirado do acordo”, afirmou Seeger em um comunicado.

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Alguns advogados permanecem céticos diante da possibilidade de Seeger, que anteriormente negou a existência de qualquer tipo de discriminação, pressionar a NFL com força suficiente para que a liga reavalie os registros de milhares de jogadores negros que foram testados e podem nem saber por que foram excluídos, um processo que pode levar centenas de jogadores a, enfim, se qualificar para pensões que, individualmente, poderiam lhes valer centenas de milhares de dólares.

“Isso não é difícil de se fazer, mas poderia sair caro para a NFL”, afirmou Justin Wyatt, que representa mais de 100 jogadores aposentados no acordo. “Precisamos ajudar as pessoas que sofreram discriminação, e isso significa reavaliar todos os jogadores negros. É nosso dever garantir que esse processo seja livre de discriminação.”

Precisamos ajudar as pessoas que sofreram discriminação, e isso significa reavaliar todos os jogadores negros. É nosso dever garantir que esse processo seja livre de discriminação

Justin Wyatt, representante de jogadores aposentados

O senador Ron Wyden, democrata do Oregon, que juntamente com o senador Cory Booker, democrata de Nova Jersey, e dois deputados federais solicitou à NFL dados a respeito da normativa racial, afirmou que “a liga fracassou em produzir qualquer evidência científica que fundamente a absurda alegação de que usar uma fórmula com base racial ajudaria de alguma maneira os ex-jogadores negros, em vez de impedi-los injustamente de obter benefícios”. Ele acrescentou: “A NFL não tem mais desculpas - precisa abandonar essa fórmula racista imediatamente”.

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A NFL pagou mais de US$ 765 milhões a 1.189 jogadores com demência, Alzheimer e outras enfermidades cognitivas e neurológicas. Contudo, muito mais jogadores tiveram seus pedidos de reconhecimento de doença negados, auditados ou retirados, incluindo cerca de 70% das alegações de demência.

Em um comunicado, a NFL afirmou estar satisfeita com a decisão da juíza de encerrar os casos e aguarda com expectativa a oportunidade de trabalhar com o mediador, o juiz de magistratura David R. Strawbridge, “para tratar das preocupações da Corte”. / Tradução de Augusto Calil

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