Um goleiro que teve câncer nos testículos e um atacante ex-repositor de supermercado estão entre os protagonistas da maior surpresa do futebol inglês desta temporada. O Bradford, da Quarta Divisão, decide hoje no estádio de Wembley contra o Swansea, da Premier League, o título da Copa da Liga (13 horas, na ESPN Brasil). Se vencer, o clube que quase foi à falência por duas vezes nos últimos 11 anos vai dar ao mundo um exemplo de boa administração. A diretoria gastou o equivalente a R$ 23 mil para montar o elenco, e se o título vier vai embolsar R$ 315 mil como premiação.A equipe do norte da Inglaterra é a primeira da Quarta Divisão a ir à final do torneio nos últimos 50 anos, e chegou com muito sofrimento. Dos seis adversários que derrotou, contra quatro precisou ir para a prorrogação e dois deles só venceu nos pênaltis. Na campanha precisou eliminar três times da Premier League - Wigan, Arsenal e Aston Villa."Nunca imaginei que chegaríamos à final. Antes seria até ridículo falar nisso", admitiu o atacante James Hanson, de 25 anos, figura conhecida da torcida por ter nascido na cidade e trabalhado em um supermercado local até 2009. Para o goleiro Matt Duke, de 35, a decisão tem sabor ainda mais especial. Ele teve câncer nos testículos em 2008, recuperou-se e divide a agenda entre treinos e participação em campanhas contra a doença.Outro destaque é o técnico Phil Parkinson, um homem discreto e que deixa os méritos com o elenco. "Temos de usar a campanha como um começo de uma nova era e tentar fazer o Bradford continuar chamando a atenção por feitos positivos."Apesar da façanha, é possível que o técnico e boa parte dos atletas não continuem na próxima temporada. A realidade financeira obrigou a diretoria a fazer contratos curtos e emergenciais em busca de quem estava sem emprego. A estratégia de montar essa 'colcha de retalhos' deu certo. "A equipe teve muitas lesões na temporada, mas foi certeira ao integrar jogadores que vieram por empréstimo e trazer reforços pontuais", explicou o presidente da conselho oficial de torcedores, Alan Carling. Nem a participação na Liga Europa está confirmada em caso de título. O clube teme não ter como bancar viagens para o exterior. Redenção. O Bradford escapou por pouco do rebaixamento para a Quinta Divisão nos dois últimos anos e tem chances remotas de subir nesta temporada, mas hoje luta pelo título no mais importante estádio da Inglaterra e com o apoio garantido de 32 mil torcedores, que esgotaram a cota de ingressos reservada ao clube. Nos preparativos para ver a final foi confeccionada uma gigantesca camisa do time com 400 m². Cerca de 200 ônibus devem percorrer os 320 km até Londres para levar a torcida.A euforia é a resposta contra o acúmulo de fracassos esportivos e econômicos. O clube, fundado em 1903 para substituir um time que faliu, passou a maior parte da sua história na Terceira e na Quarta Divisão até chegar à Premier League, em 1999. Ficou duas temporadas entre os grandes, mas caiu. "A má administração resultou em três rebaixamentos em sete temporadas, caímos até a Quarta Divisão e passamos por dois processos de insolvência, em 2002 e 2004", contou o historiador John Dewhirst, autor de três livros sobre o clube.O Bradford vai encerrar a temporada de forma curiosa: os jogadores vão para Las Vegas nas férias. A viagem foi uma promessa do copresidente do clube, Mark Lawn, caso o time passasse pela semifinal. Resta saber se nos cassinos americanos os atletas vão repetir nas roletas os milagres multiplicadores do clube que transformou tostões em milhões.