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''O futebol na Olimpíada é deficitário''

Ex-dirigente critica forma como o esporte é usado nos Jogos; também pede investimento público para a Copa no Brasil em 2014

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Por Bruno Lousada
Atualização:

Presidente de honra da Fifa e membro do Comitê Olímpico Internacional (COI) desde 1963, João Havelange, de 92 anos, fez duras críticas à organização dos Jogos de Pequim. Em entrevista ao Estado em seu luxuoso escritório no centro do Rio, disse que esta Olimpíada representará prejuízo certo para as confederações nacionais de futebol. Revelou que, já em Londres-2012, o futebol deve ser disputado por atletas com até 17 anos de idade. "O futebol na Olimpíada é deficitário", declarou Havelange, que presidiu a Fifa por 24 anos - de 1974 a 1998. "A CBF vai gastar pelo menos US$ 3 milhões com a seleção." Havelange se mostra preocupado com as acomodações, quando se fala da candidatura do Rio para sede dos Jogos de 2016. "O Rio necessita de pelo menos 40 mil quartos (exigência do COI) e tem apenas 23 mil." Ele cobrou do governo investimento em infra-estrutura. "Está tudo abandonado nos aeroportos do Rio." Havelange disse que não há a menor possibilidade de a Copa de 2010 não ser na África do Sul. Quando falou sobre o Mundial de 2014, no Brasil, voltou a defender a demolição do Maracanã e do Morumbi e foi incisivo: para ele, é obrigação do governo investir dinheiro público na reforma ou na construção de estádios para a Copa. Futebol combina com Olimpíada? É deficitário. A Fifa gastará pelo menos US$ 5 milhões com uma equipe de 100 funcionários que levará à China por conta do futebol e a cota que vem é relativamente pequena. Já a CBF vai gastar pelo menos US$ 3 milhões com a seleção e terá de arcar com o salário imenso dos jogadores. Mas ninguém pensa no valor e no que representa esse desembolso. Então, o senhor é a favor que a Olimpíada não tenha futebol? Não digo que deva acabar, mas a Copa do Mundo não será nos Jogos Olímpicos. O Mundial é a competição mais importante do mundo. A seleção brasileira só vai a Pequim na final do torneio (na verdade, o Brasil pode chegar a Pequim já nas quartas-de-final). Todos os esportes estão lá, mas o futebol não. Deveria ter uma explicação para isso. O futebol na Olimpíada tem ser disputado por atletas das categorias de base? A proposta (da Fifa) deve chegar à idade-limite de 17 anos. Quando estava na Fifa, estabeleci a idade máxima de 23 anos com apenas três jogadores acima dessa faixa. O que o Rio precisa fazer para ganhar a candidatura para ser sede dos Jogos Olímpicos de 2016? Precisa trabalhar. O que mais me preocupa é que a cidade necessita de pelo menos 40 mil quartos e temos 23 mil. Seriam colocados 10 transatlânticos, com mil quartos cada um, no porto do Rio. Aí faltariam 7 mil e teríamos oito anos pela frente para resolver a questão. O Rio recebeu a pior nota na avaliação feita pelo COI entre as quatro cidades que continuam no processo seletivo. Dá para desbancar Chicago, Madrid e Tóquio? Pode vir quem quiser. Já viu algum movimento do Comitê Olímpico Internacional para realizar uma Olimpíada na América do Sul? Por que eu não mereço? É um erro. O mundo não é seu, não é meu. Ele é de todos e é por isso que temos problemas. Qual a avaliação do senhor sobre o sistema de votação do COI para a escolha da cidade-sede? Não é justo. Para cada um dos 115 delegados que têm poder de voto enviarei uma carta, escrita de forma diferente. Falarei por que a América do Sul nunca teve direito de realizar uma Olimpíada, pois ela sempre ocorre na Europa e nos EUA. Não aceito e vou lutar com todas as forças. E o legado do Pan-Americano? Muitos equipamentos não estão sendo usados. Por que a Prefeitura e o governo do Estado, com tantas crianças para cuidar, não põem os equipamentos para funcionar? Eu pago tanto imposto e não posso ter benefício. Tem que mudar essa mentalidade. A sociedade precisa cobrar. Isso não é correto, mas é o poder político. Quais as reais condições da África do Sul para abrigar a Copa de 2010? As obras estão avançadas e o quantitativo que a Fifa deveria dar, já deu. Mas garanto que a Copa será na África do Sul. Não existe a menor possibilidade de isso não acontecer. Só se pode saber se um país tem condições (de realizar um Mundial) se der obrigações. Tem de confiar. O apartheid e a violência urbana podem comprometer a realização da Copa na África do Sul? Isso não me interessa. A competição é uma maneira de aliviar esses problemas. Nasci no Brasil, convivo com todas as raças e religiões e respeito todo mundo. O futebol não pertence à Europa e à América do Sul. A África nunca recebeu sensibilidade de qualquer país ou esporte. Esta será a primeira. O que se pode esperar desse Mundial, que consolida o sistema de rodízio de continentes implantado pela Fifa? Um sucesso. Eu já disse ao (atual) presidente da Fifa, Joseph Blatter: só quero viver até 2010, estar presente na Copa. Ali termina o meu programa e vou-me embora. Não chateio mais ninguém. Existe a ONU, outros organismos internacionais, mas ninguém realiza nada (nesse continente). A África deveria ser olhada e respeitada de forma diferente. A reforma e a construção dos estádios para a Copa de 2014, no Brasil, só serão concretizados com investimentos privados? Se eu fosse o presidente (da CBF) Ricardo Teixeira, procuraria que todos os estádios fossem feitos por entidades privadas. A Petrobrás, a Vale do Rio Doce, a Coca-Cola e Nike não podem fazer isso? Isso é uma gota d?água para essas empresas, que, em troca, explorariam a publicidade no local por 30 anos. O senhor acredita que o dinheiro público não será usado para reformar ou construir estádios? E se for investido (dinheiro público), é uma obrigação. Oh, meu Deus do céu! O senhor acha que os outros países não empregaram dinheiro público para realizar um Mundial. O futebol projeta o nosso País. O governo deve aceitar, respeitar e ficar feliz. Mas essa verba pública da Copa não poderia ser investida em saúde, educação e infra-estrutura, questões mais urgentes e essenciais para a população? É triste (ouvir essa pergunta). Isso é um problema do governo e dos políticos, não é o futebol que deve resolver. Tem de fazer novos aeroportos no País. Está tudo abandonado nos aeroportos do Rio, por exemplo. A Copa vai melhorar a segurança, os transportes internos... O governo terá de gastar - e bem - diante de um evento dessa natureza. O que é preciso ser feito? O governo precisa analisar e se conscientizar que investir é obrigação e trará benefícios à população. Não faz favor não. O senhor deveria estar feliz e aplaudir. Parece até que foi um erro, um escândalo, o Brasil ser escolhido a sede do Mundial. Qual a avaliação do senhor sobre os estádios do País? Se não tem condições, põe no chão. Temos que evoluir, entrar no século 21 e não ficar pensando no passado. O Maracanã deveria ser implodido. O Morumbi também. Ou evoluímos ou ficamos onde estamos. Não fazemos Copa, não fazemos nada. Ao que tudo indica, o Maracanã e o Morumbi só serão reformados... Não vai comprometer a Copa. Se será feito assim, é porque a Fifa autorizou. Paciência. Se a decisão fosse sua, como esportista, onde seria a abertura e o encerramento da Copa? A abertura tinha que ser em Brasília, onde está a presidência da República. E o encerramento no Rio, sede da CBF. Segundo o ex-presidente da Uefa, o sueco Lennart Johansson, o senhor teria favorecido o Brasil na vitória sobre a Suécia, por 1 a 0, na semifinal da Copa de 1994. Teria pressionado para mudar de maneira irregular a arbitragem do jogo. O que diz sobre essa acusação? Pergunte a ele se ficou satisfeito ao perder a eleição para o Blatter (para a Fifa). Meu candidato era o Blatter. Quem indica o árbitro não é o presidente da Fifa e sim a comissão de arbitragem, com um membro de cada continente. O senhor acha que vou lá pedir isso? Acha que vou ao vestiário? Sempre tentei dignificar o país de onde vim.

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