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O goleiro

Humildade não é para grandes jogadores, muito menos para goleiros. Se começa a assumir culpas, seu caminho é curto

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Por Ugo Giorgetti
Atualização:

Tinha pensado em escrever sobre Denis, goleiro do São Paulo. Desisti, achei que não valia mais a pena. Mas agora uma entrevista neste jornal me faz voltar ao assunto. No fim do jogo contra o Palmeiras, Denis foi indagado por um jornalista sobre sua atuação. A pergunta já indicava uma condenação velada, feita nem bem a partida tinha acabado. O jogador, porém, respondeu com toda a delicadeza a mais de uma pergunta. 

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Visivelmente cansado das perguntas repetitivas, ironicamente, a meu ver, admitiu falha em todos os gols. Disse, no intuito evidente de acabar com aquilo, algo assim: “Sou goleiro. Goleiro é o culpado pelos gols. Então, admito que sou culpado pelos três”.

Mal sabia ele que seria tomado ao pé da letra e foi, a partir dessa resposta, cruelmente massacrado. Pelos torcedores é natural. Torcedor torce com as vísceras, e eu no lugar deles estaria amaldiçoando o goleiro ferozmente. Esperava, no entanto, que a coisa fosse melhor analisada por pessoas do futebol. Salvo exceções, não foi. Denis era o culpado. Do primeiro gol, é claro, depois do terceiro, naturalmente; no fim, passou na ser culpado também do segundo.

Na minha opinião, nada disso é verdade. Nem o terceiro pode ser imputado só a ele. Foi um lance cara a cara, uma confusão em que a defesa do São Paulo falhou mais uma vez e ele foi apenas mais um que falhou. E num momento em que o jogo já estava 2 a 0, sem nenhuma reação visível por parte do tricolor. Os dois gols iniciais, nem vou me dar ao trabalho de comentar. Denis não teve nada com isso, principalmente o segundo, quando deixaram Tchê Tchê chutar completamente livre, até fazendo pose. 

Tudo isso dá impressão de que absolvo o goleiro. Não absolvo, principalmente por uma coisa que descobri na entrevista da sexta-feira: a humildade. Não o absolvo exatamente pela sua declaração de humildade. Um dia talvez se convença que deve ser mais “cascudo”, para usar uma expressão que inventaram agora e que se propagou.

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Humildade não é para grandes jogadores, muito menos para goleiros. Se um goleiro começa a assumir as culpas por todos os gols, seu caminho é curto. Gostaria que a famosa entrevista depois do jogo fosse feita, por exemplo, com Leão, depois de algum jogo em que supostamente tivesse falhado.

Não é possível que Denis se sentisse realmente responsável pelos três gols do Palmeiras. Admitiu isso, ou por ironia não compreendida – e que ele devia ter reiterado –, ou para ser... humilde.

A maioria dos jogadores de futebol aceita, ou finge aceitar, a humildade como grande virtude. Em muitos casos isso não funciona absolutamente. O pior é que, na entrevista de sexta, quase uma semana depois do fato, ele volta a exaltar sua humildade e a capacidade de receber criticas.

Perfeito. Só que já notei muitas vezes que, neste mundo, quanto mais alguém abaixa a cabeça, mais é massacrado É preciso saber se defender. É preciso contestar uma entrevista, às vezes até pelo momento em que está sendo solicitada. É preciso responder à altura quando necessário.

O que me desconsola é não ver nenhuma voz, ou quase nenhuma, sair em defesa do goleiro. Só Rogério Ceni, mas ele tem o dever de defender qualquer jogador do São Paulo.

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E outra coisa que me espanta nisso tudo é em relação ao primeiro gol do Palmeiras: o desdém, o desprezo por Dudu. Se tem alguém responsável pelo primeiro gol do Palmeiras não é de modo algum Denis, mas Dudu. Fosse Messi o autor do gol, ninguém se lembraria de culpar o goleiro. De qualquer modo, parece que a postura humilde não está dando resultado. Apesar de ter jogado muito bem no meio da semana e classificado o São Paulo, Denis deixou o time contra o Ituano para Renan jogar. Viva a humildade!

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