PUBLICIDADE

Publicidade

O jogador e suas velhas imagens

Por Ugo Giorgetti
Atualização:

O jovem entrou na sala. Entrou devagar, com o andar gingado dos boleiros, e aproximou-se de uma cadeira que lhe estavam oferecendo entre sorrisos, palavras de boas-vindas e piadas feitas supostamente para deixá-lo à vontade. Mas não estava à vontade. Olhou para os homens diante de si. Conhecia um deles, pela fama de treinador importante e por uma breve conversa ao telefone. Os outros dois, mais velhos, nunca tinha visto. Depois de alguns poucos anos rodando pelos gramados, porém, sabia ler caras. Olhos, em especial. Quando olhavam em sua direção, viu que o estavam avaliando cuidadosamante, calculando se, quando e quanto iam de ganhar com ele. Quanto mais poderiam ganhar, porque dinheiro já tinham. Percebeu as correntes de ouro meio ocultas, os relógios caros, os anéis, os óculos escuros, certamente comprados fora do Brasil, retirados de tempos em tempos para melhor examiná-lo. Não compreendia bem o que falavam. Falavam, aliás, mais entre si. Vagamente julgou perceber que um deles era dono de uma porcentagem do valor do seu passe. Curioso, porque ele nunca tinha visto o homem antes. Sabia, entretanto, que estava diante de uma cartada importante na sua carreira e que não poderia perder a oportunidade, qualquer que fosse ela. Passou rapidamente pela sua cabeça a imagem de uma rua de terra batida, um cão vagando por ela, algumas crianças descalças chutando uma bola deformada. Viu que a imagem tinha ficado diante de seus olhos mais tempo do que devia, porque, quando deu por si, um dos homens estava pacientemente explicando a situação. Ele, sim, iria realmente jogar num grande clube. Mas o contrato seria assinado primeiro com outro clube. Que tinha um nome completamente estranho para ele e que ficava, segundo foi informado, numa região do Brasil que ele também nunca tinha ouvido falar. Depois, claro, imediatamente iria para o grande clube. Perguntou quanto tempo deveria ficar no clube desconhecido. Sorriram: nem um único minuto. Nem precisava viajar para a cidade longínqua, nem ir até o clube. Só tinha que assinar o contrato e, ao mesmo tempo, como por mágica, seu destino seria o clube grande. Não havia ninguém desse grande e tradicional clube na sala. Achou estranho. Mas não era bobo. Sabia antes de entrar naquela sala que lá poderiam acontecer coisas que não ia compreender. Ouvia sempre as conversas de companheiros, e sabia que o negócio do futebol não era mais tão simples.Ainda se lembrava de alguns veteranos que tinham saído de um clube diretamente para outro, sem intermedirários, mas eram cada vez mais raros. Lembrou de outra raridade, um caso único: um jogador com quem tinha atuado no interior, tão veterano que nunca tinha tido empresário. Quase sorriu internamente com essa lembrança. Os papéis estavam diante dele na mesa. Os homens sorrindo, esperando. Olhou para o único que conhecia, o técnico. Conhecia, mas não sabia se confiava. Não encontrou segurança no sorriso que lhe pareceu artificial. Sentiu-se um pouco inquieto de colocar o nome no contrato, numa transação que não compreendia bem. Mas se lembrou de seu clube atual, pobre, meio falido. E, como uma imagem traz outra, passou pela sua cabeça, de novo, uma rua de terra batida, um cão vagabundo e algumas crianças descalças chutando uma bola deformada. Assinou rapidamente.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.