
24 de janeiro de 2020 | 18h30
O Estadão convidou Sílvia Herrera, jornalista e autora do blog Corrida Para Todos, para escrever um texto sobre sua relação de longa data com a corrida de rua. Nele, a profissional destaca os desafios que costumam pegar os atletas de primeira viagem, mas também reforça o prazer de fazer uma atividade física com regularidade.
No começo fui resistente. Só a ideia de acordar cedo em um domingo de manhã me dava calafrios. Correr de quê?, refletia. Pace, hidratação, gel de carbo, RP, cabedal, entressola, ergoespirométrico -, essas palavras soavam como grego pra mim.
Um dia resolvi aceitar o convite dos amigos para correr. Como sempre fiz esporte, balé, natação, achei que correr 3 km no Parque do Ibirapuera seria mole.
Acordei cedo num sabadão ensolarado, experimentei uma “bomba” - um suco verde horrível com pó de guaraná - e bora para o Ibira. De cara me apelidaram de “patinha”. Quem já viu um pato correndo consegue visualizar a cena.
Tiveram a maior paciência comigo na minha estreia nos 3 mil metros - a volta interna no lago. Fiquei torcendo para o tênis desamarrar, pra poder dar uma paradinha, sem dar recibo que estava cansada… nada. O jeito era dar o melhor de mim e torcer para aquela volta interminável acabar. Corrigiram minha respiração, meus braços, até a posição dos pés. Os dez primeiros minutos foram horríveis, depois foi melhorando e comecei a suar muito. Consegui!! Em seguida, meu prêmio: um coco verde gelado. De lá pra cá nunca mais parei. E isso foi em março de 1990!
No começo gostava de correr descalça nas praias. Depois entrava em todas as maratonas de revezamento. Em seguida veio a obsessão pelas provas de 10 km - durante dois anos corria uma delas a cada domingo, mesmo depois de festa de casamento. Treinava de segunda a sábado, e ainda fazia musculação duas vezes por semana, mais mil abdominais por dia, e pedalava. Meu recorde pessoal, o tal do RP, é dessa fase - 50 minutos na Sargento Gonzaguinha de 2002.
Já perdi as contas de quantas provas de 5 km, 10 km e 21 km já fiz. São Silvestre foram três e maratona foi uma. A de São Paulo, em 2005. Quebrei no KM 33, mil metros depois de ter aceitado uma bendita mexerica. Azedou tudo por dentro. E foi um amigo que me encontrou sentada, dentro do túnel debaixo da Marginal Pinheiros, que me fez recuperar as forças com dois géis de carbo, sabor chocolate. Tirei forças nem sei de onde para completar a prova em 5 horas e 27 minutos. Um tempo pavoroso, mas que pra mim teve sabor de vitória. Você tem seis horas para completar uma maratona ou é desclassificado. Emagreci cinco quilos durante essa corrida. No final, tudo doía, descobri músculos que nem sabia que tinha. Meus erros foram largar bem forte e não fazer pré-hidratação. Graças a Deus minha irmã me esperava na chegada. Meses depois engravidei. Troquei as corridas pela natação nesse período. Depois voltei a correr, inclusive com meu bebê no carrinho - fizemos três provas juntos.
O mundo da corrida é fascinante e muito democrático. Tem espaço para todo mundo. Para quem quer ganhar saúde ou para quem quer bater recordes e ganhar troféus, ou viajar o mundo correndo maratonas majors, ou apenas se divertir. A corrida é para todos. Basta apenas começar. Ninguém ensina uma criança a correr. Ela sai correndo de braços abertos, língua pra fora, toda feliz. Os adultos é que complicam.
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