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O pêndulo da seleção

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Por Mauro Cezar Pereira
Atualização:

Nunca simpatizei com a presença de Dunga no cargo de técnico da seleção, uma invenção da CBF após o pífio papel brasileiro na Copa de 2006. O ex-capitão jamais me pareceu o nome adequado. Primeiro pela falta de experiência, afinal, jamais foi treinador. Segundo pela subserviência à cartolagem que há duas décadas domina a entidade. E para completar, me incomodava seu discurso inicial. Ao substituir Parreira, Dunga incorporou as ideias oficiais, que tratavam de resgate do amor à camisa canarinho e outras abobrinhas. Mera saída encontrada por seus superiores para dar satisfações a torcedores e patrocinadores depois que a França despachou o Brasil. Assim, o capitão do tetra em 94 chegou ao cargo como uma espécie de interventor/moralizador. Puniu Kaká e Ronaldinho Gaúcho como se fossem os responsáveis por tudo de errado que aconteceu na Alemanha, quando na verdade a comédia de erros começou com os cartolas, que transformaram os treinos na Suíça em circo. Nesses quase três anos, Dunga foi, pouco a pouco, deixando de lado os conceitos iniciais. Fez as pazes com Kaká após entrar em rota de colisão com o craque. Abrigou Ronaldinho depois de uma ação interventora do presidente da CBF, que convocou pela TV. E foi deixando de lado a postura de sargentão. Se existe algo positivo em Dunga nesse período é a mudança de postura. Ele segue sem saber dar um treinamento, algo que constatei nas inúmeras vezes em que estive na Granja Comary de 2007 para cá. Limita-se a ensaiar cruzamentos e não é capaz de aprimorar a equipe de maneira que tenha variações de jogo. E time formado por brasileiros tem tudo para isso. A estupidez nas entrevistas é questão menor, atrapalha o dia a dia, dificulta as coisas, nem por isso o impede de fazer seu trabalho. Muricy é tão ou mais mal-educado do que ele, e foi tricampeão brasileiro escancarando competência. E ao abandonar o discurso boboca-patriota inicial, Dunga reuniu os jogadores ao seu redor e ganhou a dedicação do time nos jogos. Dedicados, os jogadores brasileiros são difíceis de superar. Mas são superáveis. Os resultados expressivos ante seleções importantes, como os 3 a 0 em cima da Itália, solidificam sua presença no cargo e geram elogios da mídia "oba-oba". Todos sabemos que o Brasil é letal no contragolpe. Não há problema em vencer jogando em velocidade na saída da defesa para o ataque. Mas a seleção tem de saber furar uma retranca boliviana, precisa ser capaz de marcar eficientemente a ponto de impedir que equatorianos e uruguaios finalizem, juntos, quase 70 vezes contra o gol. E não deveria sofrer três gols do Egito! Se esses defeitos forem maquiados pelas vitórias retumbantes como sobre Itália e Argentina, o risco será grande em 2010. Há quem prefira o elogio fácil para, daqui a um ano, criticar se as coisas foram mal. Acho melhor alertar agora para os defeitos que persistem. Você acredita que num eventual novo confronto no ano que vem os italianos ofereçam metade do campo para o contra-ataque? Será que o técnico da Inglaterra, Fábio Capello, não percebeu que essa é a arma mais perigosa de Dunga? Às vésperas da Copa passada, França e Itália não eram favoritas, mas fizeram a final. E antes disso, Zidane trucidou o sonho brasileiro. O Brasil sofreu para vencer a África do Sul e é possível que a história se repita diante dos Estados Unidos na decisão da Copa das Confederações. Se golear, isso não significará que o time de Dunga é imbatível e será hexa em 2010. Da mesma forma, se permitir novo passeio da zebra, não poderemos dizer que tudo é uma porcaria. Dunga tem acertos e erros. Deveria pelo menos tentar reparar defeitos de sua equipe. Ouvir, sim, os que o criticam, como ouviu quem pedia, há tempos, por Ramires. Até porque os porta-vozes oficiais que tanto levam a seleção da CBF às alturas serão os primeiros a detoná-lo quando as coisas forem mal. Que Dunga perceba o quanto antes o óbvio: quem critica e diz o que pensa não lhe deseja o mal, algo eventualmente escondido atrás de elogios fáceis, gratuitos, convenientes, daqueles que estão sempre ao lado. Quando se vence. * Comentarista da rádio Eldorado/ESPN

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