O tédio dos jogos 'normais'

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colunista convidado
Por Luiz Zanin
Atualização:

Talvez nós, brasileiros, não tenhamos muito a vocação da normalidade, da rotina. Daí que a retomada do Campeonato Brasileiro, com sua sucessão de jogos que vão valendo pontos até quase o final do ano, nos pareça às vezes tão sem graça. Ainda mais quando saímos de disputas épicas, como as da Copa das Confederações e Libertadores. Depois das conquistas da seleção brasileira e do Galo mineiro tudo nos parece rotineiramente chato. Até mesmo para o Atlético-MG, que, ainda de ressaca da glória, perdeu de goleada para o arquirrival Cruzeiro. Bom, pelo menos os cruzeirenses, neste momento de ápice do rival, podem se consolar de haver carimbado a faixa alheia em alto estilo. Também por aqui a rodada não foi das mais empolgantes. O 0 x 0 entre Corinthians e São Paulo nem merecia ser chamado de clássico, tão chato foi. Na verdade, talvez nem pudesse ser muito diferente disso. O Corinthians patina em campanha das mais discretas para quem ainda acha que tem o melhor elenco do futebol brasileiro. Menos, menos, como diria um sábio de plantão. O São Paulo, se sabe, anda a colecionar recordes - só que negativos, em relação à sua própria história. Domingo, para o São Paulo, era questão de não perder. De interromper o ciclo infernal das derrotas seguidas. Paulo Autuori fechou o time e, de certa maneira, conseguiu o objetivo proposto. Embora tenha dito, politicamente, que não comemora empates, a verdade oculta por trás das palavras era que estava ao menos aliviado por não ter de explicar nova derrota. E, ainda mais, para o rival que acaba de lhe roubar o título da Recopa. Com a sangria contida, o Tricolor viaja para sua excursão, com medo de dar vexame, segundo se lê nas entrelinhas. Medo, também, que deve ter o Santos em seu amistoso desta semana contra o Barcelona. O jogo fez parte das negociações da venda de Neymar, mas pode ser uma armadilha a mais. Além de vender seu principal craque a preço de saldão, corre o risco de levar uma goleada na partida comemorativa. Enfim, essa é a expectativa que desperta o futebol brasileiro quando vai jogar no exterior. Em todo caso, por aqui a sensação é a de iniciar um longo processo, que só vai esquentar muito mais para a frente, quando se definirem de vez os que têm chances de título, os ameaçados a cair e os candidatos a uma ou outra benesse, como a Copa Sul-Americana. Por enquanto, é como um aquecimento geral. A posição do São Paulo, destoante da sua tradição recente, é um dos poucos elementos de novidade deste início de Campeonato Brasileiro. E digo início porque, como foi interrompido pela Copa das Confederações, parece que começou há muito pouco tempo. Deve ser por isso que tenho recebido alguns e-mails de leitores queixando-se de que o campeonato anda chato. É curioso isso. As pessoas não se adaptam à mecânica de um tipo de disputa que pode até parecer, mas nunca deveria ser chata. E isso por um único e bom motivo: os pontos agora disputados não se perdem jamais; e também nunca mais se recuperam. Cada partida é uma oportunidade única. E assim torcida e jogadores deveriam considerá-las. Mas não as vemos desse jeito. Parece que sempre haverá tempo para recuperar. Pelo contrário, os outros sistemas de disputa é que costumam ter uma montanha de jogos que, literalmente, não valem nada, ou quase nada. Ou será que já esquecemos do Campeonato Paulista, com sua fórmula absurda que só começa a valer alguma coisa depois de 19 rodadas inúteis?Mas o que fica na nossa memória são as partidas finais, as que "valem". No Campeonato Brasileiro todas valem. Mas não conseguimos vê-las desse jeito. Talvez isso seja ligado à nossa maneira de enxergar o mundo. Costuma-se dizer que brasileiro deixa tudo para a última hora. Temos muitas virtudes, mas não a do planejamento, que significa preparação racional para o futuro. Como não acreditamos muito no futuro, ficamos no presente imediato. E, nesse presente imediato e interminável, não vemos muito sentido nesses jogos "normais" e rotineiros. Que, no entanto, valem taça, ou rebaixamento, como todos os outros.

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