Publicidade

Pagar o pato

PUBLICIDADE

Por Antero Greco
Atualização:

Fazia tempo que não via tanto barulho em torno de um jogador como no caso do Ganso. O jovem talento do Santos foi o personagem mais discutido da semana, assim como Dunga e a convocação de seus guerreiros. Ou por isso mesmo mereceu tamanho destaque. A ausência dele na lista dos que defenderão o Brasil na Copa desencadeou polêmica semelhante à de um Palmeiras x Corinthians, um Fla-Flu, um Gre-Nal. Com uma diferença: nos duelos desses times tradicionais, há equilíbrio de torcidas. No caso do Ganso, a preferência popular pende descaradamente em seu favor.A pitada de pimenta nesse caldo foi adicionada na sexta-feira, com a entrevista do meia ao repórter Bruno Lousada e publicada aqui no Estado. Como acontece em campo, Ganso não fugiu das divididas, mandou a falsa modéstia para escanteio, disse que estava pronto para ir para a África e contestou as restrições de Dunga à seleção Sub-20 da qual fez parte no Mundial de 2009. O regente do meio-campo santista tem convicção de que ele e o grupo não decepcionaram no vice-campeonato no Egito.Pronto, essas declarações deram mais pano pra manga. Escarafunchei sites e blogs, dos mais neutros àqueles ligados a clubes e torcidas, e não faltaram comentários divergentes. Como acontece em situações do gênero, muitos foram a favor de Ganso. E um bocado de gente espinafrou o atleta recém-iniciado na fama. Há quem tenha visto insolência em sua réplica e outros interpretaram seu desabafo apenas como demonstração de personalidade.Fico com o segundo grupo. Pregamos liberdade de expressão a todo custo, cobramos posições mais firmes de jogadores, lamentamos o blablablá rotineiro, com as baboseiras do tipo "Precisamos respeitar o adversário", "O professor é quem sabe", "O importante são os três pontos", frases insossas que inundam telas de tevê e páginas dos jornais. Na hora em que aparece um sujeito com coragem de expor o que pensa vira presunçoso e mascarado. Ou seja, liberdade é tema bom pra papo de boteco, mas na prática incomoda. Difícil nos livrarmos do condicionamento do autoritarismo cotidiano.Deixemos o Ganso abusar da sinceridade, enquanto é tempo. Vai que logo mais seja tragado pela engrenagem e tenha discurso padrão e oco da maior parte de seus colegas. Entrará no sistema e perderá autonomia para expressar o que sente. Enfim, pode virar um chato, como muitos boleiros que você tem na ponta da língua. Seria uma lástima. Não é preciso concordar com o que ele diz, nem se deve impedi-lo de manifestar-se. Divergir não é sinônimo de desrespeitar. Diversidade de opiniões amplia conhecimento. E que ele tenha agora firmeza para aguentar eventual ressentimento do técnico.Ganso também começa a ser alvo de observações canhestras, mistura de sarcasmo, ironia. Ou, em bom português, de inveja e dor de cotovelo. Insinua-se aqui e ali que há interesses em transformá-lo em estrela do futebol. Claro, isso é útil para alguém, não sou ingênuo de negar. Mas é grande bobagem pensar em articulação generalizada. A mistificação se sustenta por algum tempo, nunca indefinidamente. Cansei de ver, na boa quilometragem que já acumulei de vida e carreira, ídolos de barro, que se quebram no primeiro tropeço. Sempre haverá os cometinhas, que aparecem do nada, brilham e se perdem no espaço. Ganso pode ser outro desses fenômenos? Pode, pois o futebol é feito mais de gente comum do que de gênios. Mas não creio: esse garoto tem jeito de quem veio para ficar. Tomara.Crise de identidade. Vasco e Palmeiras têm origem semelhante, como times de colônias, 4 títulos do Brasileiro, uma Libertadores, uma Mercosul e tantas outras conquistas. Até algum tempo atrás, dividiam o terceiro lugar na preferência nacional dos torcedores. Mas perderam espaço nos últimos anos e até caíram para a Série B. Não por coincidência, viveram muito tempo nas trevas de métodos administrativos ultrapassados. Hoje se enfrentam em São Januário sem o brilho passado. Que pena.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.